HABEAS CORPUS - COM PEDIDO DE LIMINAR - RÉU PRESO - Modelo de Peça Jurídica
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EXCELENTÍSSIMO(A)
SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA ____ VARA CRIMINAL DA CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA
DE XXX, DISTRITO FEDERAL
(espaço
de 10 a 15 linhas)
BELTRANO DE TAL, brasileiro, advogado (a),
inscrito (a) na OAB-XXX sob o nº xxx,
com escritório na Rua nº xxx, Setor, nesta Cidade, onde recebe intimações, vem,
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5º,
LXVIII, da Constituição Federal, e nos artigos 647 e 648, do CPP, impetrar
ordem de:
HABEAS CORPUS – COM PEDIDO DE LIMINAR
em favor de XXX,
brasileira,
estado civil: viúva, inscrito no CPF nº xxx.xxx.xxx-xx e RG nº xx.xxxx,
moradora de rua podendo ser encontrada na praça em frente à Igreja da
XXX, contra ato do Ilustríssimo Delegado de
Polícia do Distrito de XXX, pelos motivos e fatos a seguir aduzidos:
I - DOS FATOS
A
paciente, com 20 anos de idade, natural XXX, após vir do interior com
seu companheiro XXX, de 32 anos, e sua filha XXX, contando apenas com 02
anos de idade, morava em XXX, Distrito Federal.
A
paciente não possui familiares no Distrito Federal. Com o início da pandemia, João
perdeu seu emprego e, na busca por outra colocação, acabou por contrair
COVID-19 e. em consequência foi a óbito.
A
paciente foi despejada da casa em que morava e sem familiares começa a
perambular em igrejas e associações em busca de ajuda. Após uma semana, a paciente
começou a morar na praça em frente à igreja junto a outros moradores em
situação de rua que frequentavam o mesmo espaço.
No
dia 02 de setembro de 2022, por volta das 10:00h, após não aguentar mais ver
sua filha chorando de fome, desnutrida e com risco de ficar doente, a paciente
ingressou em um supermercado de grande porte e escondeu sob as vestes 4 (quatro)
unidades de macarrão instantâneo, totalizando R$ 8,00 (oito reais). Na saída, a
paciente foi abordada pelos seguranças que apreendem os produtos e chamam a
polícia.
Encaminhada
à autoridade policial, a paciente confirmou os fatos e reiterou a ausência de recursos
financeiros e a situação em que se encontrava com sua filha. Sendo autuada em
flagrante por prática do crime de furto do art. 155, caput, do CP, e tendo sua
liberdade cerceada no dia 02 de setembro de 2022, situação em que ainda se
encontra.
II – DO DIREITO
Entende-se
que, pela via estreita do Habeas Corpus, não se adentra especificamente ao
mérito. Todavia, cabe ressaltarmos a Vossa Excelência somente algumas
incontroversas, que a nosso entender, maculam a legalidade do ato da prisão,
dada a irrelevante controvérsia em relação ao furto falimentar praticado em
estado de necessidade. Em face da verdadeira coação ilegal pela comprovada atipicidade do fato
pelo estado de necessidade, de que é vitima a paciente foi submetida. Tratando-se,
como se trata, de crime apenado com pena privativa de liberdade na condição mínima
possível, faz jus a paciente ao benefício da extinção da punibilidade,
declarando-se a prescrição da pretensão punitiva.
Constituição Federal de 1988 - Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
.....................................................................................
LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que
alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;
.....................................................................................
Código de Processo Penal - Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre
que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal
na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.
MM(A).
Senhor(a) juiz(a), o ato da coerção da liberdade autuado pelo respeitável e
ilustre Delegado de Polícia não merece prosperar para um agravamento processual
carcerário, pois a paciente agiu em estado de extrema necessidade para
alimentar a sua filha criança com 2 (dois) anos de idade, como descrito nos
fatos, a situação se agravou com o falecimento de seu companheiro trazendo
total desequilíbrio social, onde não se poderia esperar comportamento diverso,
causa esta excludente de ilicitude, conforme prescrevem os artigos 23, I, e 24,
do Código Penal.
“Art. 23. Não há crime quando
o agente pratica o fato: (...) I. Em estado de necessidade
“Art.
24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de
perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar,
direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era
razoável exigir-se.”
No
caso em apreço Excelência, a paciente já havia tentado inúmeras vezes conseguir
emprego ou ajuda de terceiros para alimentar sua filha que se encontrava doente
e em estado de inanição por fome. O Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 8.069
de 1990, nos traz nos artigos citados abaixo que é dever dos pais e do próprio
Estado assegurar a alimentação dos menores conforme se descreve os artigos:
“Art.
4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.”
“Art.
22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores,
cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir
as determinações judiciais.”
Cabe ainda destacar a ausência de supressão de instância, uma vez que
nos termos do Artigo 654, § 2º, “Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de
habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre
ou está na iminência de sofrer coação ilegal.”
Portanto, diante da inequívoca lesão ao direito de liberdade da
paciente, cabível é o presenta habeas corpus.
III - JURISPRUDÊNCIA
Ora
Vossa Excelência, a paciente não pode ser culpada por uma conduta que perante
tal situação não poderia ser contrária, ela simplesmente utilizou do meio mais
infeliz para obter comida para sua única filha que estava doente em razão da
ausência de alimento e agiu por ato de emergência e involuntário. Não há pai ou
mãe que diante de tal situação iria deixar sua única filha passar por este tipo
de humilhação e sofrimento doloroso (a fome faz doer), que poderia culminar com
a perda da vida.
Importante
ressaltar o que a Constituição pátria nos traz em seu art. 5º, caput, que todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
A paciente
foi pega na oportunidade do furto de alimentos no valor R$ 8,00 (insignificante
valor monetário) para si e principalmente para sua filha, furto de macarrão do
estabelecimento comercial, o ato foi consumado em sua totalidade, conforme
confessou a paciente, por circunstâncias alheias à vontade dela, mas sim pelo
estado de necessidade vivenciado no momento. Onde o fiscal de segurança a
impediu de subtrair os itens mencionados.
Por
sua vez, os alimentos que veio a ser objeto do respectivo crime de furto para alimento
possuem valor irrisório, ou seja, não vem a acarretar prejuízo ao patrimônio do
estabelecimento mencionado. A situação de penúria material que se encontravam a
paciente e sua filha na ocasião do crime com privação ao elemento básico e
essencial à sobrevivência, justifica no presente caso o reconhecimento de furto
famélico. Sobre o furto famélico, Cleber MASSON estabelece:
(...)
É a denominação utilizada pela doutrina e pela jurisprudência relativamente ao
furto cometido por quem subtrai alimentos em geral para saciar a forme e
preservar a saúde ou a vida própria ou de terceiro, quando comprovada uma
situação de extrema penúria. Pode-se citar o exemplo da mãe enferma e
desempregada, que subtrai um pacote de fubá para alimentar sua filha, de
pequena idade e faminta.
Sendo
cabível assim perante o caso concreto o princípio da insignificância pois não
gerou efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. Mencionado princípio incide
quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas:
(a)
mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da
ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d)
inexpressividade da lesão jurídica provocada. Já existe julgados que se
assemelham a este caso concreto, vejamos:
APELAÇÃO
CRIMINAL - CRIME DE TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO - RECONHECIMENTO DO FURTO
FAMÉLICO - POSSIBILIDADE - ESTADO DE NECESSIDADE COMPROVADO -
ABSOLVIÇÃO. - Resta caracterizado o furto famélico quando o agente pratica
o delito com intuito exclusivo de saciar a sua fome ou de terceiro, quando não
possuía outros meios para fazê-lo, agindo em situação nítida emergência. - A
situação de extrema penúria material da paciente e de sua família à época do
crime, com privação de elemento básico e essencial à sobrevivência, justifica,
no presente caso, o reconhecimento da excludente de ilicitude do estado de
necessidade.
(TJ-MG
- APR: 10694150043776001 MG, Relator: Catta Preta, Data de Julgamento:
31/08/2017, Câmaras Criminais / 2ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação:
11/09/2017)
A
tipicidade material expressa, a efetiva lesão ou ameaça de lesão ao bem
jurídico protegido pela lei penal. Trata-se da gravidade da conduta, a conduta
deve ser significativa à lei penal, sendo o comportamento socialmente
inadequado. Sob o princípio da insignificância será materialmente atípica a
conduta que embora gere lesão a bem jurídico de terceiro, o resultado mostra-se
irrelevante ao direito penal, não se justificando a utilização do Direito
Penal. Sobre a materialidade levando em consideração a res furtiva bem como a
materialidade sendo considerada atípica, vejamos esta decisão:
Recurso
em sentido estrito. Requisitos formais da peça inicial. Presentes. Rejeição da
denúncia. Fundamento. Atipicidade Material. Principio da Insignificância. Ausência
dos requisitos autorizadores. Impossibilidade. A aplicação do princípio da
insignificância para afastar a tipicidade da conduta do agente, reclama, além
do pequeno valor da res furtiva, a mínima ofensividade da conduta do agente,
nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade
do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada, não devendo
a exordial ser rejeitada com base na atipicidade de tal conduta, quando
ausentes todos os requisitos autorizadores.
(TJ –
RO - RSE: 00016986520138220012 RO-0001698-5.2013.822.0012, Relator:
Desembargador Valdeci Castellar Citon, Data de Julgamento: 19/03/2014, 2ª
Câmara Criminal, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em
26/03/2014.)
Diante
do caso concreto a paciente agiu em defesa de sua filha que estava em estado de
necessidade protegendo assim um bem jurídico muito mais valioso que é a vida de
alguém, ou seja, de sua própria filha. A propriedade que é o bem jurídico
questionado pelo estabelecimento é menos valioso que o referido anteriormente
conforme descreve as lições referidas pelo doutrinador de Cleber Masson:
Sacrifica-se
um bem de menor valor (patrimônio) para salvaguardar um bem de maior valor
(saúde ou vida humana). Exige-se o perigo atual, de modo que não se permite a
subtração para se precaver da fome ou de terceiro, e que tenha voluntariamente
se colocado na situação de penúria (...) (MASSON, Cleber. Direito Penal
Esquematizado - Parte Especial - vol. 2. - 6ª ed. rev., atual. e ampla. São Paulo:
Editora Método, 2020. p. 339-340).
IV – DO PEDIDO
Diante do exposto requer:
a) Em face da verdadeira coação ilegal pela comprovada atipicidade do
fato pelo estado de necessidade, de que é vitima a paciente, após solicitadas
as informações à autoridade coatora, seja concedida a ordem impetrada, conforme
artigos 647 e 648, incisos I e VII, do Código de Processo Penal, declarando-se
a extinção da punibilidade nos termos do artigo 107, inciso IX, do Código
Penal.
b) E dado a prova irrefutável da ilegalidade, seja concedida a ordem de
“habeas corpus”;
c) Isto
posto, que seja reconhecida a ilegalidade da prisão, com o seu consequente
relaxamento, conceda-se a liminar em face de vir a incorrer o “periculum in mora” e expedição do respectivo
alvará de soltura, se por al não estiver presa.
* Salvo conduto no caso do HC preventivo.
Nesses Termos,
Pede deferimento.
XXX, 03 de setembro de 2022.
Advogado – OAB/____.
Obs 1: No endereçamento quando o processo tramita no Distrito Federal o termo utilizado é Circunscrição Judiciária, apenas nos demais estados da federação é utilizado o termo Comarca.
Exemplo:
Vara Cível ou Criminal da Circunscrição Judiciária de Brasília-DF.
Vara Cível ou Criminal da Comarca de Goiania-GO.
Obs 2:
Para impetrar-se um habeas corpus, não há exigências de rigor técnico, de forma e sequer há necessidade de que se tenha um advogado atuando em favor do paciente, já que pode ser feito até mesmo em causa própria. Se feito por advogado, o writ prescinde de apresentação de procuração.
Todavia, no caso do recurso, é necessário que seja subscrito por um advogado ou defensor, munido de procuração com poderes para atuação em sede recursal – lembre-se, também, que habeas corpus não é recurso, mas ação autônoma de impugnação de decisões ilegais.
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