Filosofia política e direito
Teoria Geral e Filosofia do Direito
“Hoje são os direitos do homem que
exercem a função de valores eternos. É o estado de direito e outras noções,
que, todos sabem, são muito abstratas. E é em nome disso que se
breca todo pensamento, que todas as análises em termos de movimentos são bloqueadas”.
Gilles Deleuze1
Nariz de cera
O conceito de filosofia é um problema filosófico.
Por conseguinte, a questão “o que é filosofia?” é um dos temas clássicos da
filosofia. Não por acaso é retomado pela filosofia contemporânea por dois de
seus grandes nomes, Deleuze e Guattari,2 que a definem como a
atividade de criar conceitos. Outros autores propõem outras definições ao longo
da história. O raciocínio vale para a filosofia política. O que é? Eis um
problema filosófico. Não há resposta precisa. O Dicionário de Política de
Bobbio, Matteucci e Pasquino,3 ao trazer o verbete “filosofia
da política”, que logo é identificado ao uso mais comum “filosofia política”,
não faz outra coisa senão levantar o problema e buscar definições. Com efeito,
o autor do verbete, professor Allessandro Passerin D’Entreves, procura
estabelecer critérios para definir a filosofia da política (ou filosofia
política). O movimento do verbete é o seguinte. Compreende o termo como
idêntico, num primeiro momento, a teorias acerca do Estado, tais como as
desenvolvidas pelos clássicos, como Platão, Morus – estes intitulados
utopistas–, Cícero, Tomás de Aquino, etc. (p. 494). Após, faz um giro do
caleidoscópio conceitual que permite outra visão acerca do mesmo objeto. Chega
à definição de filosofia política como procura de um critério de legitimidade
do poder (p. 494); como identificação da categoria do político (p. 495); como
metodologia das ciências políticas (p. 495). Há, na sequência, uma aproximação
entre o conceito de filosofia política e a análise de linguagem (p. 496), assim
como uma confrontação entre os conceitos de filosofia política e ciência
política (p. 496); filosofia política e ideologia (p. 497); filosofia política
e teoria dos valores (p. 498). Por fim, disserta acerca da natureza do dever
político (p. 499). Ou seja, tal como ocorre com a filosofia em sentido amplo,
que se constitui como um problema para si mesma ao longo de sua história, a
filosofia política é enigma a ser decifrado. Não há consenso quanto ao conceito
mais preciso ou mais útil. O que existe é um campo variável de conceitos
possíveis que, eventualmente, são postos em confronto.
Eis uma visão geral da questão. Uma proposta de
definição – que é uma entre várias possíveis, como se procurou ressaltar nas
linhas acima – de filosofia política é: a filosofia que toma como objeto a
política. Nesse sentido, podem ser considerados pensadores da filosofia
política os que trataram da política filosoficamente, a saber, Platão,
Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, Maquiavel, Hobbes, Locke, Espinosa,
Hegel, Foucault, etc. Isso, entretanto, apenas delimita uma proposta, não dá
uma resposta.
É preciso levantar, igualmente, um segundo ponto
importante: o verbete traz a conjuntiva “e”. Filosofia política e direito. O
termo “direito” também pode ser considerado objeto de debates infindáveis. Pode
ser definido como direito subjetivo – uma faculdade de um sujeito –; ou como
direito objetivo – a norma positivada pelo Estado. Pode ser um fato social, a
ser estudado pela sociologia, ou um valor, a ser investigado pela ética.
Abrange, ao longo de sua história, o conceito de justiça: dar a cada um o que é
seu, na conceituação clássica, restando saber o que é o seu de cada um, questão
filosófica. E há ainda muitas definições que poderiam ser lembradas, facilmente
encontráveis nos livros de Introdução ao Estudo do Direito.
A proposta do verbete é tratar do tema de forma
diversa daquela encontrada nos dicionários e enciclopédias jurídicas. Para
isso, serão feitos três giros no caleidoscópio. Num primeiro momento, o verbete
traz esboço da proposta kelseniana. Nela, ficará claro o projeto que aparta
direito de todas as demais áreas, na busca por uma Teoria Pura, com
objeto e métodos próprios, intentando a autonomia da ciência do direito em face
das demais áreas do saber. De acordo com essa proposta, filosofia política é
uma coisa, direito outra. Kelsen importa aqui na medida em que permite um
contraste didático com os conceitos de dois outros clássicos, anteriores a
Kelsen, e que comporão o segundo giro argumentativo do caleidoscópio: Maquiavel
(1469-1527), pensador dos séculos XV e XVI, e Espinosa (1632-1677), clássico
anômalo4 do século XVII. Para ambos, cada qual a sua maneira,
as análises de filosofia política e direito compõem um todo indissociável. Isto
é, são autores para os quais discussões típicas do direito contemporâneo, como
separação entre sistema político e sistema jurídico (Luhmann5), não
têm lugar.
Por meio desses dois autores, Maquiavel e Espinosa,
o tema do verbete poderá ser tratado levando em conta, num sentido forte, a
conjuntiva “e”.
O terceiro giro será novo contraste em face do
retrato inicial, a saber, em relação a Kelsen. Nesse movimento do texto, a
proposta de uma teoria da norma como promessa será desenvolvida. Assim,
questões relacionadas aos dois campos, o do direito e o da filosofia política,
serão trabalhadas com base na teoria da norma como promessa. Novamente um
embaralhamento das áreas será notado pelo leitor.
· 1. O direito positivo como objeto de ciência: o projeto kelseniano ou a busca pela autonomia do campo jurídico
· 2. Filosofia política e direito como instâncias indissociáveis: Espinosa e Maquiavel
· 2.1. Espinosa: uma revolução copernicana na teoria do direito
· 2.2. Maquiavel: natureza humana, conflito social, lei, direito
· 3. Norma como promessa: entre legalidade e legitimidade
· 3.1. Estrutura da promessa
· 3.2. Texto legal como promessa
· 3.2.1. Pré-condições da proposição da promessa
· 3.2.2. A produção de textos legais como promessa
· 3.2.3. A promessa nos delitos e penas
· 3.3. Conclusão
· 4. Considerações finais
1. O direito positivo como objeto de ciência: o
projeto kelseniano ou a busca pela autonomia do campo jurídico
Na segunda metade
do século passado, o direito, compreendido estritamente como direito positivo,
isto é, como conjunto de leis emanadas do Estado – constituindo, assim, o
ordenamento jurídico –, sofreu uma série de tentativas de revisão de seus
postulados e métodos.
O projeto de uma
ciência do direito positivo alcançou grande refinamento teórico com Kelsen,
especialmente com a Teoria Pura do Direito.6 Kelsen
intentou a aplicação do princípio de pureza ao direito como condição para sua
cientificidade. A autonomia da ciência do direito frente às demais ciências
deveria ser alcançada para que o direito não se tornasse objeto de variadas
ciências, tornando a análise do fenômeno jurídico algo confuso, não objetivo,
distante da ideia de um campo científico autônomo. A consequência dessa relação
muito próxima entre direito como direito posto, por um lado, e psicologia,
sociologia, moral, história, entre outras áreas, por outro, seria a perda de
exatidão e objetividade. Em suma, o direito nesses moldes não poderia vir a ser
uma ciência rigorosa.
Assim, nada mais
importante à ciência do direito do que encontrar o seu próprio objeto de
estudo, para além das ciências naturais – visto que o direito não é uma ciência
cujo objeto é o mundo do ser, mas tem a peculiaridade de ter como objeto de
estudo o dever-ser, isto é, a conduta positivada – e,
simultaneamente, para além de qualquer conceito metafísico de direito natural,
de qualquer valoração ético-política, que flertasse com conceitos de
justiça.
Kelsen propõe um
corte epistemológico como método para se chegar à pureza do objeto da ciência
do direito. Isto é, trata-se de estabelecer, a partir de uma teoria do
conhecimento referente ao mundo jurídico, o objeto desta ciência: o dever-ser.
O dever-ser que interessa à ciência do direito é a norma posta
pelo Estado, o resultado da objetivação da vontade do legislador. Eis o campo
que o direito, segundo a teoria pura, deveria estabelecer como matéria bruta
que a ciência jurídica teria por papel lapidar, dando à matéria-prima a
sistematicidade própria a toda ciência. Além de o estudo do direito, pela
necessidade científica imposta pelo princípio de pureza, se distanciar do fato
social – próprio das ciências sociais, como a sociologia, a história–, deveria,
simultaneamente, apartar-se dos valores, objeto de parte da filosofia, isto é,
da ética. Kelsen afirma, na Teoria Pura do Direito, que ao direito
não pertence a exclusividade no mundo do dever-ser, pois a moral também faz
parte do mundo do mandamento, da conduta. Ocorre que, para a moral, que também
é formada por um conjunto de padrões de comportamento, não há uma instância
responsável pela aplicação da sanção que, no limite, pode utilizar a força
física. No caso do direito, o Estado – e alguns de seus órgãos – é a instância
responsável pela aplicação da sanção caso haja infração da norma, isto é, caso
haja o comportamento indesejado, inclusive com o uso da força física, se
necessário. Assim, afirma Kelsen, o objeto da ciência do direito é a norma
positivada pelo Estado, o seu material bruto, por assim dizer, é a vontade do
legislador objetivada. A moral, também um aglomerado de padrões de conduta,
muitas vezes advindos da tradição, não se confunde com a ética. Esta, para
Kelsen, é a ciência cujo objeto de análise – sua matéria-prima – é a moral.
Portanto, assim como a ciência do direito tem como objeto a vontade do
legislador objetivada, a ciência ética, para Kelsen, tem por objeto a moral.
O preço pago pela
busca da autonomia científica no campo do direito apenas se explicitou com as
lições da história ocidental do século XX. Por meio da identificação do campo
jurídico ao direito positivo – e sua cientificidade podendo apenas ser
alcançada pelo estudo das normas postas pelo Estado –, regimes totalitários puderam
ser compreendidos como legais. Kelsen, na segunda edição da Teoria Pura
do Direito, ainda fundado nos seus postulados e métodos, traz a seguinte
afirmação a respeito da legalidade dos regimes totalitários:
“Segundo o Direito
dos Estados totalitários, o governo tem poder para encerrar em campos de
concentração, forçar a quaisquer trabalhos e até matar os indivíduos de
opinião, religião ou raça indesejável. Podemos condenar com a maior veemência
tais medidas, mas o que não podemos é considerá-las como situando-se fora da
ordem jurídica desses Estados”.7
Dada a
possibilidade, para o direito, de ser uma ciência avessa a qualquer ordem
valorativa, bem como podendo, no limite, passar ao largo de questões relativas
à vida de milhares de pessoas, e ainda assim ser considerado direito, houve a
necessidade de revisão de postulados e métodos cujo refinamento teórico
ocorrera com Kelsen. O estreitamento do objeto jurídico, com vistas à confecção
de uma ciência autônoma, cobrou seu preço histórico.
Dois momentos explicativos
podem ser salientados como motivos do fenômeno de revisão de métodos e
postulados do projeto kelseniano.
Um primeiro
momento é o da mudança da significativa confiança nas instituições do início do
século XX. Esta confiança se abala por razões históricas. Isto é, a confiança
no Estado constitucional, na força das instituições jurídicas e na consistência
dos ordenamentos jurídicos. Há pouco mais de um século, não havia qualquer
suspeita no que se refere às nações organizadas sob o regime de governo da
democracia constitucional, bem como no Estado de direito, tendo em vista o fato
de que estas instituições satisfaziam às aspirações das nações e dos Estados.
Porém – e este é o segundo momento explicativo –, sob essa convicção, se
constituíram, sob a forma da mais estrita legalidade – no sentido do direito
entendido apenas como direito posto pelo Estado institucionalizado –,
catástrofes, como a forma institucional do fascismo e do nazismo na Europa da
primeira metade do século passado.8
A identificação do
direito ao direito posto e a confiança nas instituições foi posta sob suspeição
em razão do surgimento, no limite, de regimes totalitários absolutamente
legais, que retiravam sua legitimidade dos ordenamentos jurídicos positivados.
Esta constatação da legalidade de regimes totalitários, como salientado em
citação acima, não é posta em dúvida por Kelsen. Não se pode negar, porém, a
coerência do autor com seus pontos de partida metodológicos e teóricos. De
fato, se a teoria do conhecimento referente ao mundo jurídico estabelece como
objeto do direto apenas e tão-somente a norma positivada pelo Estado
instituído, é simples a verificação de que é perfeitamente possível, a partir
do postulado de que o direito é o ordenamento jurídico, um regime totalitário absolutamente
legal.
O ponto para o
qual se deve atentar é, entretanto, o da questão seguinte. Interessa ao
direito, após os acontecimentos históricos do século passado, insistir nos
mesmos postulados e métodos que permitem, no limite, que o ordenamento jurídico
de um Estado totalitário, que atenta até mesmo contra a vida de seus cidadãos,
possa ser compreendido, sem qualquer senão, como sendo o direito desse Estado?
Paradoxalmente,
como assinala Dalmo Dallari,9 não obstante esses acontecimentos
históricos, o ensino do direito na América Latina se manifesta de forma
acrítica e desvinculada da realidade social. Basta que se atente para o fato
segundo o qual o ensino jurídico oscila entre dois polos. De um lado, há uma
infinidade de doutrinas, que se dão no plano das abstrações. Portanto,
totalmente coerentes com os métodos kelsenianos, isto é, estudo de normas com
vistas à sistematização do ordenamento. De outro, há as aulas que consistem em
meras informações sobre artigos de lei. Nestas, o professor se limita à leitura
do texto normativo, leitura que é seguida por comentários, no mais das vezes
superficiais, que nada acrescem ao sentido já explícito na leitura do artigo de
lei.10
2. Filosofia política e direito como instâncias
indissociáveis: Espinosa e Maquiavel
2.1. Espinosa: uma revolução copernicana na teoria
do direito
Alexandre Matheron
afirma que Espinosa promoveu uma revolução copernicana no campo jurídico11 ao
identificar direito a potência e a desejo,12 isto é, a um
fundamento ontológico. De fato, na filosofia política e jurídica espinosanas –
áreas indissociáveis –, o dever-ser normativo (a lei) somente é direito se for
alimentado pela potência da multidão. E o direito individual, de cada homem
como coisa singular, é sua própria potência. Em suma, direito é potentia,
individual ou coletiva, e a potência tem fundamento ontológico. O direito não
se identifica ao dever-ser posto pelo Estado. Essas teses
serão desdobradas ao longo do presente item, explicitando a ligação entre os
dois temas do verbete, a saber, a filosofia política e a teoria do direito.
Kelsen, cujas principais teses foram anteriormente esboçadas, e que procura
separar o direito das demais áreas, filosofia política inclusa, servirá como
contraste para as elaborações espinosanas.
O que pode ser
concebido como jurídico, tendo como horizonte a sociedade e o Estado, para
Espinosa, depende exclusivamente da qualidade das instituições sociais
produzidas pelos cidadãos que, quando em conjunto por um mesmo propósito,
guiados “como que por uma só mente [una veluti mente ducuntur – G
III, p. 281]” (TP II 16 p. 19, entre outras),13 podem ser
definidos como multidão.14 A medida da qualidade das
instituições sociais, no pensamento do autor, é o fato de elas serem não
obstáculo, mas instrumento para a constituição da paz pública, a qual é
definida não como ausência de guerra na cidade, mas como força de ânimo de cada
cidadão que a compõe. Se os homens são levados a obedecer às instituições
civis, é por um impulso de sua própria natureza – por medo civil da punição da
lei, pela esperança de uma vida melhor, com mais potência e alegria, para
zelarem pela segurança (definida como um afeto alegre, pois estimula o aumento
da potência, do direito), etc. Apenas na democracia a qualidade das
instituições com vistas à paz pública é instituída em melhores condições, e
constantemente, pelo corpo coletivo, isto é, como exercício da potentia do
corpo coletivo. Espinosa afirmará, no capítulo não findo do Tratado
político, que a democracia se caracteriza pela possibilidade de
participação no conselho supremo e nos cargos públicos – para elaboração e
execução das leis – de todos aqueles que estão sob jurisdição de si próprios
(que estão sui juris, ou seja, que tenham potência, que não
dependam de outro) e de acordo com a lei, não com a vontade deste ou daquele,
por favor ou outro critério não universal (TP, XI, 2 e 3, pp. 137-138). Assim,
há a satisfação de um impulso natural segundo o qual ninguém quer ser governado
e todos querem governar – eis o desejo como direito natural, como potência.
No Tratado teológico-político, Espinosa chega a afirmar que a
democracia é o mais natural dos regimes políticos, pois é o que mais satisfaz a
natureza humana como potência, que quer governar e não ser governada (TTP, XVI,
p. 242). Espinosa concebe a segurança e o interesse do Estado como a segurança
e o interesse dos cidadãos: a preservação e a possibilidade do exercício, pelos
cidadãos, do direito natural de cada um e de todos, visto que em estado de
natureza, estado de baixíssima socialidade, o direito natural é opinião, não
existe de fato (TP, II, 15, p.19). Isto significa dizer que não há separação,
para o autor, entre Estado15 como poder soberano e sociedade
como conjunto dos cidadãos (a multidão que alimenta e dá poder ao
soberano).
Ao invés, o Estado
apenas é garantidor da paz pública caso seja a expressão de uma constante
criação das instituições sociais responsáveis pela paz pública.16 Há
uma tensão de potências entre a multidão, de um lado, que deve ter mais
esperança que medo e visar à segurança como afeto esperança que se estabilizou
com a cessação da dúvida (E, III, P 14, p. 347), e o poder soberano, de outro,
o qual não pode gerar na multidão o afeto indignação. Veja-se que o poder
soberano, se não estimula, pelo direito civil, nos súditos-cidadãos, afetos
alegres, como a segurança de um futuro estável e, ao mesmo tempo, o medo civil
da punição da lei, pode editar leis sem potência, ineficazes. Leis sem potência
não são obedecidas pelos cidadãos, que podem, pelo afeto indignação espelhado
em vários membros do corpo coletivo, por meio da imitação afetiva, levar à
dissolução da cidade. Por esta razão, espinosanamente falando, a democracia
será, num certo sentido, a realização de uma paixão alegre coletiva. Isto é,
num regime democrático a predominância de afetos alegres é maior que a de
afetos tristes nos súditos-cidadãos, e estes podem, da melhor maneira, ou seja,
com distribuição do exercício do poder entre mais indivíduos, exercer sua
natureza de potência. Assim, na democracia, dada a maior amplitude
participativa dos homens, que são ontologicamente potentia,
evita-se o que Espinosa chama de solidão, ou seja, a “cidade” cujos súditos são
conduzidos como ovelhas por um ou poucos que instituem o medo como afeto de
controle (TP, V, II, p. 44; TP, V, 4, pp. 44-45; TP, V, 5, p. 45).
De volta ao fio
kelseniano, para explicitar o contraste em face das teses espinosanas:
entretanto, esse abalo na confiança da identificação entre direito posto pelo
Estado como sendo o direito, em função dos regimes totalitários que tiveram
como apoio a estrita legalidade, não formou um caldo cultural forte o bastante
para derrubar a ideologia do positivismo jurídico como campo estreito em que se
confina o direito.
Tercio Sampaio
Ferraz Jr., na sua Introdução ao Estudo do Direito,17 elabora
uma interessante reflexão sobre o direito contemporâneo e o preço pago pela
maneira como se estrutura.
Como primeiro
movimento, trata-se da identificação do estudo do direito a uma técnica com
vistas a atender aos profissionais do direito, tais como juízes, promotores,
advogados, etc. nas suas profissões. Há, segundo Tércio, uma explicação para
esta redução do escopo do que seja o direito em seu ensino e, consequentemente,
em sua prática.
De fato, de acordo
com Tercio Sampaio Ferraz Jr., o estudo do direito como dogma está ligado a uma
dupla abstração. Primeira: a abstração da norma enquanto dogma a partir do qual
se pensa o direito. Segunda: as regras de interpretação das normas enquanto
dogmas que estabelecem como devem ser entendidas as normas. A consequência é
que o objeto do conhecimento jurídico não é senão essa dupla abstração. Como
corolário, tem-se um caro preço pago pelo direito contemporâneo: a sua
distância, cada vez mais significativa, da realidade social – e da realização
da justiça, poder-se-ia acrescentar.
Na concepção
espinosana, não se entende o direito como mera abstração. Em vez disso, o
direito é entendido como potência do indivíduo humano – e das demais coisas
singulares – para perseverar no ser. E a busca para perseverar no ser, por
parte de cada coisa singular, enquanto isso está em suas forças, é o conceito
mesmo de conatus. O direito é o desejo, que por sua vez é o conatus (E,
III, P 6 e 7, p. 251; TP, II, 4, p. 12). E este conceito está intrinsecamente
ligado à política, pois se trata de uma concepção do direito que não se
dissocia de uma teoria da política (de uma filosofia política), bem como não se
dissocia de uma ontologia – teses que serão mais desenvolvidas a seguir, e já
esboçadas nos movimentos acima.
Ora, para
Espinosa, no estado de natureza – mera hipótese teórica, visto que os seres
humanos sempre estão em algum grau de socialidade –, o direito se identifica ao
mero poder de exercício desse direito, como já indicado. Ou seja, o direito
natural, no estado de natureza, é apenas e tão-somente o poder de cada
indivíduo para perseverar em seu ser. Assim, na verdade, o poder de cada
indivíduo isolado de efetivamente perseverar no seu ser é bastante limitado neste
estado de precários vínculos (TP, II, 15, p.19).
Em que sentido se
dá este limite? No exato limite do bruto exercício da potência (E,
IV, A, p. 381). Se cada um dos indivíduos pode tudo, nenhum deles pode nada.
Assim, a intenção natural de cada conatus, que é a de perseverar no
ser, fica bastante prejudicada. Afinal, como pensar em efetiva paz, em efetiva
segurança, em efetivo exercício da natureza humana de perseverar no ser se há,
na realidade, uma infinidade de potências que se anulam a todo momento,
impossibilitando, desse modo, a realização da natureza humana, isto é, a
liberdade como exercício do conatus, da potência de cada um?
A solução para
esse impasse é a seguinte: em vez de continuarem nesse precário estado em que,
efetivamente, não se exerce a natureza humana em sua plenitude, na medida em
que o perseverar no ser é sempre precário, isto é, as potências estão sempre se
anulando reciprocamente, os seres humanos instituem a sociedade e escolhem uma
forma de governo.
Diferentemente de
Hobbes (1588 – 1679), entretanto, Espinosa não afirma que a saída do estado de
natureza se dá por um juízo racional, por um contrato, pela transferência de
direitos naturais a uma assembleia de homens ou ao um (Leviatã, I, 16, p. 135;
II, 17, p. 144).18 A instituição do campo político se dá por
uma busca da natureza humana enquanto desejante – sendo esta a essência atual
do modo finito humano –, não por uma abstração. Portanto, a instituição do
campo político se dá por um desejo de perseverar no ser de modo efetivo. O
estado civil em Espinosa é, por conseguinte, a realização do direito natural de
maneira efetiva: é apenas nele que existe, em alguma medida, paz e concórdia
entre os humanos. E tal união entre humanos apresenta-se como uma construção
afetiva, pois é pela esperança de um futuro seguro que os homens juntam forças,
e o fazem cotidianamente e afetivamente.19
Outra
significativa diferença entre Espinosa e Hobbes – que aqui é citado para
clarear, por oposição, as teses espinosanas –, no que se refere a este ponto, é
que para Hobbes os homens devem obedecer ao soberano por medo. É o
medo que garante a paz social. Por isso a ênfase na monarquia como melhor
instância para disseminar o afeto medo como controle dos súditos e modo de se
evitar a guerra civil. Com efeito, podendo apenas o Um – o monarca – dizer o
que é lei e o que não é, facilita-se a manutenção do controle que, desfeito,
redundaria em guerra civil, em guerra de todos contra todos. A segurança social
é o resultado do medo coletivo. Entretanto, de acordo com Espinosa, isso não
resulta em garantia da liberdade política. De fato, se a liberdade política, em
Espinosa, por força de sua ontologia,20 não é senão a
realização da natureza humana como potência na cidade – e, ademais, sendo o
medo uma paixão triste, que diminui o desejo de perseverar no ser –, Espinosa
nunca poderia defender a tese de um regime que institui o medo como garantidor
da paz social e da liberdade humana, exceto se tal medo for o medo civil, em
face da lei, mas com vistas à alegria da segurança da cidade, afeto alegre.
De fato, a
liberdade é a realização da natureza da coisa, qualquer que seja ela, humana ou
não humana. Os seres humanos são modos finitos (intensidades de potência) da
substância21 que buscam persistir na existência. São conatus (E,
III, P 6 a 9, pp. 251-253). O desejo de perseverar no ser, sob uma paixão
triste, apenas diminui. Portanto, um regime que se institui sob a égide do medo
não pode garantir a liberdade política. Muito ao invés, ao diminuir o conatus,
diminui a liberdade dos homens na cidade, pois impede – na medida em que
diminui o desejo – que o ser humano realize a sua natureza de potência, de
desejo de perseverar.
Em Espinosa, não
basta que haja a garantia da paz social pela instituição do Estado. Caso fosse
assim, seu pensamento ético-político não seria diferente daquele elaborado por
Hobbes. Dessa maneira, para Espinosa, não basta a garantia da paz social como
paz do isolamento e da barbárie (TP, VI, 4, p. 49). A paz é garantia do
exercício efetivo do direito natural como exercício efetivo da potência de cada
indivíduo. É exercício da fortaleza de ânimo. Com efeito, a paz social
garantida pelo medo não possibilita, no limite, o exercício da potentia.
Mas o motivo para tal é ontológico, isto é, o medo é, essencialmente, um afeto
triste, de diminuição da potência, do direito natural.
O desafio
espinosano consiste em dar conta de dois problemas que não devem ser
excludentes um do outro, ou seja, deve resolver a questão da paz social sem que
isto implique anulação da potentia (ou do direito, pois jus
sive potentia – TP II 5 p. 12 – G III p. 277) dos indivíduos sob a
égide do medo. Portanto, o desafio é duplo: em primeiro lugar, o Estado deve
garantir a paz social, pois apenas assim o direito natural pode ser exercido
efetivamente. Em segundo lugar, esta paz social não pode se dar pelo império do
medo, uma vez que o medo é uma paixão triste que levaria, no limite, ao não
exercício do direito natural como exercício da potência do indivíduo. Ora, o
Estado, portanto, tem como condição necessária, mas não suficiente, a
instituição da paz pública. É preciso, para além da paz pública, que ela venha
orientada, no mais das vezes, por afetos alegres, uma vez que esses afetos são
os que aumentam o grau dos conatus e, portanto, permitem o
exercício do direito natural como exercício da potentia, efetivamente.
E o afeto medo a ser sentido pelos súditos-cidadãos não pode ser o medo do
tirano, do um, mas deve ser o medo civil da punição da lei – lei que é a única
garantia da instituição de um futuro como segurança – um afeto, portanto (securitas)
–, como já indicado.
O regime mais
adequado à natureza humana deve respeitar esta natureza e se instituir como
garantidor da liberdade, entendida como realização da natureza humana: daí a
razão pela qual a democracia assuma papel fundamental, como já explicado anteriormente.
É apenas neste regime, fundado passionalmente, isto é, como possibilitador da
alegria do conatus coletivo, que a natureza humana se realizará plenamente:
realização de uma paixão alegre coletiva.
Em suma:
para Espinosa, o Estado deve ser o instrumento para a liberdade política, e
deve ser estabelecido ou instrumentalizado de tal sorte que possibilite a
efetiva participação, nas decisões políticas, de cada indivíduo, de acordo com
sua natureza de indivíduo passional. Ou seja, sendo o indivíduo um desejo (seu
direito natural) de perseverar no ser, submetido à força das paixões, a
instauração do campo político deve, no limite, garantir que a maior parte
participe do poder, que governe, pois ninguém, por ter sua natureza desejante,
deseja ser governado. Todos querem governar. Daí a pertinência da democracia,
que permite que as leis da Cidade sejam o produto da vontade do maior número,
segundo leis que valem para todos e que são alimentadas pelos afetos da
multidão, e não segundo o favor ou outro critério excludente. No governo de
poucos, ou do um, o poder é menos distribuído e a participação limitada, o que
contraria a disposição natural dos homens para o desejo de governarem e não
serem governados.
As teses
espinosanas permitem pôr em relevo o seguinte ponto: o direito como abstração
normativa, como dever-ser advindo da fonte legislativa do
Estado, ou como técnica com vistas a decisões que garantam a ordem social se
distancia do conceito elaborado pelo autor. Para ele, com efeito, o direito é
um constante instituir do poder soberano, o qual é alimentado
pelas expectativas e desejos da multidão. Um campo afetivo é o que sustenta a
tensão multidão versus poder soberano e garante a estabilidade
da Cidade. Caso os membros do poder soberano não respeitem as leis que editam,
instituam leis que contrariem a natureza humana – ao tentar controlar o que se
pensa, ou instituir que se odeie o que se ama e vice-versa, ou decretar
absurdos, como a espoliação dos súditos –, entre outros, o afeto indignação,
espelhado, pela imitação afetiva, nos membros da multidão, toma o lugar da
esperança e da segurança. O corpo político se dissolve e o medo civil da lei
passa a não mais existir (TP, IV, 4, p. 39). Ou seja, há um trabalho da
potência coletiva – do corpo político, isto é, da multitudo –
de, a todo momento, instituir as leis da Cidade cujo horizonte é sempre a
satisfação do desejo de cada humano para perseverar no ser. Ao se realizar
coletivamente, este desejo é satisfeito de maneira mais plena.
Não há abstração
alguma no direito espinosano, portanto. Em lugar do dever-ser, a
potência. Há, assim, uma dignidade política do direito na teoria proposta pelo
autor. Isto significa que o discurso espinosano referente ao direito é um
contra-discurso cujo alvo é o direito como abstração, como deslocado da
realidade concreta. Há direito na medida exata da potência do corpo coletivo
para perseverar em seu ser-coletivo, ou, em vez disso, em estado de natureza
bruta, cada qual tem tanto direito quanto tem poder para exercê-lo – realidade
apenas teórica visto que os humanos sempre estão em algum grau de socialidade.
O direito em
Espinosa não é o direito positivo como mera abstração, ou mesmo como dupla
abstração – conforme assinala Tércio Sampaio Ferraz Jr.22 referindo-se
ao ensino do direito contemporâneo –, mas se identifica à potentia,
seja ela do corpo político – na cidade, na sociedade civil –, seja ela em seu
estado bruto – no estado de natureza. Eis um esboço da revolução copernicana no
campo jurídico proposta por Espinosa, para usar as palavras de Alexandre
Matheron, indicadas no início deste item 3.1.23 Em Espinosa,
portanto, filosofia política como reflexão sobre a cidade, sobre o papel dos
súditos-cidadãos, sobre o problema da multidão e da fundação e manutenção do
corpo político, por um lado, e direito como potentia, por outro,
são temas indissociáveis e reciprocamente referentes.
***
Espinosa cita
Maquiavel no Tratado político em duas ocasiões (TP, V, 7, pp.
45-46; TP, X, 1, p. 129). Sempre o faz de forma elogiosa, chamando-o agudíssimo.
Não por acaso comentadores de peso estabelecem Maquiavel como linha inicial que
chegará em Espinosa e avançará a Marx.24 Maquiavel é conhecido
especialmente por ter sido o fundador de nova maneira de pensar a política.
Portanto, pelo critério do presente verbete para tratar do tema, é autor que
tomou filosoficamente como objeto a política. E como alinhavou sua filosofia
política ao direito? É que se verá a seguir.
2.1. Maquiavel: natureza humana, conflito social,
lei, direito
Segundo Eugenio Garin,
a discussão acerca da lei ao tempo do Renascimento remonta ao debate movido
entre os séculos XIV, XV adentrando o XVI, vez que os humanistas cívicos
florentinos, Petrarca, Salutati, Bruni, Valla25 e, inclusive, o
contemporâneo de Maquiavel, Agrippa (1486-1535),26 pensador do
Norte da Europa, pautaram o tema com relevância para a compreensão dos ditames
da justiça e do direito.27 Se Petrarca interessou-se pelo
estatuto dos estudos jurídicos, como atualização de problema arrestado da
antiguidade pelos nexos entre leis naturais e leis civis,28 no
que tangencia o pensamento maquiaveliano, destaque à posição de Leonardo Bruni
em vista de sua posição em relação ao tumulto ou revolta dos Ciompi,
ocorrido em 1378, que colocara Florença sob o risco de desagregação social,
como se fora uma prova dos nove das concepções de justiça, lei e de direito, de
matizes aristocráticas, que visavam a estabilidade política da República
Florentina. Para Maquiavel este foi o ponto de inflexão do debate acerca da
lei, da justiça e do direito em relação à política, precipitado com o tumulto
dos operários cardadores da indústria de lã, em Florença, que, na figura do seu
líder Michele Lando, apropriou-se do poder e assumiu o lugar da Signoria, por
praticamente um mês.29 Após, a Signoria retomou o poder e
exilou Lando, em exercício político bastante comum em Florença, se relembrado –
de modo emblemático – o exílio de Dante Alighieri, fato ligado à disputa entre
guelfos e gibelinos, parte da crise política das relações entre o Sacro Império
Romano Germânico e a Igreja. Em verdade, Maquiavel é um crítico severo da
Signoria de Florença por ter perdido a oportunidade de explicitar e incorporar
o conflito social dos Ciompi à política da cidade, na forma de instituição e
ordenação, como ocorrerá na antiga República Romana, até o ponto da criação dos
tribunos da plebe. Afinal, para Maquiavel, política é conflito, e o conflito é
natural entre os cidadãos e entre as classes sociais, cedendo ao anacronismo.
Mesmo que o Florentino não queira reformar nem o homem nem a sociedade. Mas,
pensar a política desde sua dinâmica de forças em luta, mediadas por boas leis,
de modo a assegurar a liberdade cívica e o bem comum, em uma sociedade rachada
ao meio na forma de guerra de interesses dos Grandes e do Povo. De preferência
sob o regime republicano, de governo misto, aos moldes do projetado pelos
gregos, em particular por Aristóteles, e realizado pelos romanos.
A discussão acerca
do tumulto dos Ciompi ocuparia parte significativa do cenário
político de Florença até meados do século XVI, pois para o também florentino,
Francesco Guicciardini (1483-1540), advogado, historiador, político, de família
aristocrata, primeiro discípulo e crítico de Maquiavel, a inclusão do conflito
social explicitado e transformado em instituição é inaceitável, dentre outros
argumentos, porque o homem tende para o bem por natureza e não para o mal.30 Em
particular, os capítulos relativos aos tribunos da plebe, a desunião da plebe e
do senado romano como fonte de liberdade, e a guarda da liberdade pelo povo e
não pelos aristocratas, dentre outros temas na contramão do pensamento
maquiaveliano.
Maquiavel
(1469-1527), Cidadão Florentino, viveu ao tempo de um ensaio de transvaloração
de todos os valores, que segundo Nietzsche (Anticristo, aforismo 61),
não pôde ser concretizado, pois Lutero salvara o cristianismo com as bulas da
Reforma Protestante, escritas em Latim, afixadas na porta de sua igreja
paroquial num feriado. Viveu ao tempo em que a burguesia se auto reconhecia como
“classe social”, detentora do primeiro projeto universal, identificado pela
expressão “projeto burguês”.31 Viveu ao tempo da refeudalização
da Itália, principiada por Lorenzo de Medici, político, industrial, banqueiro,
comerciante, poeta, mecenas, falecido em 1492, o que significou a perda da
possibilidade de uma revolução burguesa, avant la lettre, a ser
disparada pelas ricas cidades do Norte italiano, Florença, Milão, Veneza.
Confluência histórica poucas vezes registrada. Aparentemente, nada escapara de
Maquiavel acerca do seu tempo, e findou por transformar o tempo contemporâneo
em conceito, como mais tarde Hegel teorizou.
Por que Maquiavel
pauta-se pelo regime republicano romano para pensar o encaminhamento de solução
política, na linha de um equilíbrio instável e estável, como o mais recomendado
aos estados? Sob concepção política realista, inovadora, Maquiavel considera o
regime republicano, aos moldes do que fora aperfeiçoado pela constituição e
pela prática política da República Romana antiga, ao compor-se de elementos
monárquicos – dois cônsules, que se consultavam antes de tomar decisões acerca
das leis, da guerra e de disputas cotidianas sintomáticas da tensão social –,
aristocráticos – senadores, que produziam leis –, e democráticos ou populares –
tribunos da plebe, que por não terem poder de criar leis, tinham o poder de
reprovar as leis elaboradas pelos senadores, se contrárias aos interesses de
“classe” –, retratados nos Discorsi sopra la prima deca de Tito Livio ou,
simplesmente, Discorsi, ou ainda Discursos,32
em Português, à sua vez inspirados nos dez primeiros livros da História
de Roma, de Tito Lívio,33 correspondentes aos volumes que
escaparam à voracidade dos tempos.
A constituição da
República Romana surgira sem a presença de um legislador, como ocorrera em
Atenas e Esparta. O que poderia parecer um contratempo, ao contrário, resultou
em oportunidade de construir e de realizar um regime com a marca registrada dos
romanos. Pois a República Romana fora fruto da discórdia entre o povo e os
poderosos romanos. Tendo sido fundada livre, Roma prosperou como potência
política à medida que transformou o levante popular, os “quebra quebras” de
rua, a greve geral e a população pobre, que abandonara a cidade, em
oportunidade de explicitação do conflito social, considerado natural por
Maquiavel, pois tudo é natural: os homens, a natureza, a política, os conflitos
sociais. Assim, Roma não perdeu nenhuma oportunidade de explicitar conflitos e
transformá-los, politicamente, em instituições e ordenações capazes de regular
pela lei os limites do jogo político. Políbios escreveu que se um estrangeiro
ouvisse o lugar de atuação política na palavra de um cônsul, imaginaria que
Roma era governada pelos cônsules, somente; se ouvisse um tribuno da plebe, governada
pelo tribuno da plebe; se um senador, pelos senadores. Tal harmonia fora
construída na conjunção de regimes puros, assimilados e incluídos na forma de
regime misto, o da república popular. Nos Discorsi, Maquiavel
argumenta que “Rômulo e todos os outros reis fizeram muitas e boas leis, ainda
em conformidade com a vida livre, mas, como sua finalidade foi fundar um reino,
faltavam-lhe muitas coisas que cumpria ordenar em favor da liberdade, coisas
que não haviam sido ordenadas por aqueles reis” (D, I, 2, p. 18). Após a queda
dos Tarquínio, deu-se a necessidade de substituição do regime monárquico por
outro, os que os depuseram constituíram “imediatamente dois cônsules para
ficarem no lugar dos reis” (D, I, 2 p. 18), porém, em verdade, “depuseram em
Roma o nome, mas não o poder régio: de tal forma que, como só tivesse cônsules
e senado, aquela república vinha a ser mescla de duas qualidades das três acima
citadas, ou seja, principado e optimates (aristocratas)” (D, I, 2, pp.18-19).
Contudo, faltava “apenas dar lugar ao governo popular: motivo porque,
tornando-se a nobreza romana insolente (...), o povo sublevou-se contra ela; e
assim, para não perder tudo, ela foi obrigada a conceder ao povo a sua parte,
e, por outro lado, o senado e os cônsules ficaram com tanta autoridade, que
puderam manter suas respectivas posições naquela república” (D, I, 2 p. 19).
Destarte, foram criados a ordenação dos “tribunos da plebe, tornando-se assim
mais estável o estado daquela república, visto que as três formas de governo tinham
sua parte” (D, I, 2, p. 19).34 Ao elogio de tal regime
político, o Florentino adita a “tão favorável fortuna”, como também escrevera
Políbios, mas, em outra passagem contrariando Plutarco, reforça a relevância
da virtù dos romanos na construção do regime republicano. A
propósito escreveu:
“(...) foi-lhe tão
favorável a fortuna que, embora se passasse do governo dos reis e dos optimates
ao povo, por aquelas mesmas fases e pelas razões acima narradas, nunca se
privou de autoridade o governo régio para dá-la aos optimates; e não se diminiu
de todo a autoridade dos optimates, para dá-la ao povo; mas, permanecendo
mista, constituiu-se numa república perfeita: perfeição a que se chegou devido
à desunião entre plebe e senado” (D, I, 2, p. 19).
Porém, Maquiavel
registra que “no mais das vezes estes (enormes tumultos) são causados por
aqueles que mais possuem, porque o medo de perder gera neles as mesmas vontades
que há nos que desejam conquistar” (D, I, 5, p. 26). E arremata afirmando que
“os homens só acham que possuem com segurança o que têm quando acabam de
conquistá-lo do outro” (D, I, 5, p. 26).
Como conectar
conflito social e lei? O conflito, que é natural, é a marca fundante da
sociedade e da política, ao passo que a lei, por sua natureza, é a demarcação da
imutabilidade temporal, elevada de disputas reais. Sob este enquadre, a lei
pode dar as cartas do jogo político desde demandas as mais diversas, em
movimento de organização de tal jogo? Maquiavel atrela conflito e afirmação da
liberdade cívica, que a lei busca contemplar de modo dialético, logo de fundo
contraditório. Se a tensão social está posta desde o conflito, cabe expressar a
norma regulatória de interesses díspares. Para Maquiavel, “todas as leis que se
fazem em favor da liberdade nascem da desunião deles” (D, I, 4, p. 22), os
Grandes e o Povo. Vez que o desejo do Povo não é o mesmo que a pretensão dos
Grandes.35
Porém, no meio do
caminho tem uma pedra, pois para Maquiavel a natureza humana encontra-se no
epicentro da política e, por extensão, conexa ao direito, como causa de abalos
sísmicos da ordem político-jurídico sempre por acontecer, se as providências
advindas da virtù do governante e da população não forem
antecipadoras da má fortuna. Nem da boa fortuna, se o exercício da virtù de
enxergar o futuro dos desenlaces, daquilo que os fatos políticos não mostram
por completo. Exercício complexo a levar em contas as variáveis em jogo e
constante oscilação dos tempos da política. Afinal, como ensinara o Bispo
Francesco Soderini, de Volterra, a Maquiavel, a decisão política acontece no
último segundo, ao crepúsculo das negociações, e de nada importa os cálculos
sempre incompletos e frágeis de antecipação e previsão. Importa a astúcia
construída pela virtù. De par com necessária atenção ao cumprimento
do bem comum e de leis, ordenações e boas armas, capazes de sustentá-lo.
Para o Florentino,
a maldade é constitutiva do ser humano, componente da natureza humana, sem
resquícios do aporte bíblico da noção de queda, relatado em linguagem
mito-poética nas páginas iniciais do Gênesis, nem ao modelo
medieval sob inspiração agostiniana. Em muitas passagens de suas obras,
Maquiavel registra os desígnios da natureza humana e, no limite, o remédio para
tal, originado de boas leis, boa educação, boas armas, remédios derivados da
necessidade de preservação da liberdade cívica pela via discórdia civil
explicitada, como afirmado.
O problema da
maldade humana, detalhada por Maquiavel, torna-se o pressuposto necessário,
preferencialmente, ao legislador e ao ator político para que não se decepcionem
ao toparem com a malignidade humana emergir inesperada, de situações em que o
desejo e os apetites se apresentam sem máscaras e escusas da formalidade
social. A propósito, afirma o Florentino:
“Como demonstram
todos aqueles que discorrem sobre a vida civil e todos os exemplos de que estão
cheias todas as histórias, quem estabelece uma república e ordena suas leis
precisa pressupor que todos os homens são maus (rei) e que usarão a malignidade
de seu ânimo sempre que para tanto tiverem ocasião: e quando alguma maldade se
oculta por algum tempo, assim procede por alguma razão oculta que não se
conhece porque não se teve experiência do contrário; mas essa razão um dia é
posta a descoberto pelo tempo, que, segundo dizem, é o pai da verdade” (D, I,
3, pp. 19-20).
Porque para
Maquiavel sempre há um nexo entre o bem e a necessidade, pois
“(...) os homens
nunca fazem bem algum, a não ser por necessidade; mas, onde são muitas as
possibilidades de escolha e se pode usar da licença, tudo logo se enche de
confusão e desordem. Por isso se diz que a fome e a pobreza tornam os homens
industriosos, e que as leis os tornam bons. E quando uma coisa funciona bem por
si mesma, não há necessidade de lei; mas, quando falta o bom costume, a lei
logo se faz necessária” (D, I, 3, pp. 20-21).
E em O
Príncipe,36 Maquiavel arremata: “(...) a pouca prudência
dos homens não descobre o veneno que está escondido nas coisas que bem lhes
parecem ao princípio (...)” (P, XIII, p. 57). A reflexão acerca da maldade humana
prossegue, ao que Maquiavel pondera: “[é] que os homens geralmente são
ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ambiciosos de dinheiro, e, enquanto
lhes fizeres bem, todos estão contigo, oferecem-te sangue, vida, filhos, como
disse acima, desde que a necessidade esteja longe de ti. Mas, quando ela se
avizinha, voltam-se para outra parte” (P, XVII, p. 70). Materializando o que
pensa, argumenta que
“(...) os homens
hesitam menos em ofender aos que se fazem amar do que aos que se fazem temer,
porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação, o qual, devido serem os
homens pérfidos, é rompido sempre que lhes aprouver, ao passo que o temor que
se infunde é alimentado pelo receio de castigo, que é um sentimento que não se
abandona nunca” (P, XVII, p. 70).
Contudo, o fino
psicólogo sugere que se deve sobremaneira “abster-se de se aproveitar dos bens
dos outros, porque os homens esquecem mais depressa a morte do pai do que a
perda de seu patrimônio” (P, XVII, p. 70). Ou ainda, estendendo o raciocínio,
Maquiavel assevera que “não se tirem aos homens os bens e a honra, vivem estes
satisfeitos e só se deverá combater a ambição de poucos, a qual se pode sofrear
de muitos modos e com facilidade” (P, XIX, p. 77).
A maldade humana,
segundo Maquiavel, deriva do desejo de conquistar. Pois, “...visto que os
apetites humanos são insaciáveis, porque, tendo os homens sido dotados pela
natureza do poder e da vontade de desejar todas as coisas e pela fortuna de
poder conseguir poucas, o resultado é o contínuo descontentamento nas mentes
humanas e o fastio das coisas possuídas...” (D, II, (Proêmio), p. 180.). E
mesmo a República Romana, modelo de perfeição de regime político para o
Florentino, construída desde a explicitação dos naturais conflitos políticos
via “enormes tumultos” e do encaminhamento de solução através de ordenações e
de instituições políticas excelentes, no entanto, “no mais das vezes estes
(enormes tumultos) são causados por aqueles que mais possuem, porque o medo de
perder gera neles as mesmas vontades que há nos que desejam conquistar: pois os
homens só acham que possuem com segurança quando acabam de conquistá-lo do
outro.” (D, I, 5, p. 26). Ilustrando o que se teorizou acima, Maquiavel
argumenta, por tratar-se de discurso acerca dos “tumultos gerados em Roma pela
lei agrária”, que desandariam a estabilidade política, a mostrar que também o
Povo erra ao posicionar-se politicamente. Ao que adita:
“Tudo isso eu
disse porque a plebe romana não se contentou em obter garantias contra os
nobres com a instituição dos tribunos, desejo ao qual foi forçada por
necessidade; pois ela, tão logo obteve isso, começou a lutar por ambição e a
querer dividir cargos e patrimônios com a nobreza, como coisa mais valiosa para
os homens. Daí surgiu a doença que gerou o conflito da lei agrária, que acabou
por ser a causa da destruição da república” (D, I, 37, p. 113).
Como detectar as
diferenças entre os Grandes e Povo? Pela diferença dos umori de
um e de outro, que estão sempre em movimento. A análise dos umori é
a chave de parte da compreensão do surgimento das intrínsecas inimizades nas
cidades e seus reflexos na luta política. Maquiavel, segundo Zanzi,37 sob
inspiração hipocrática da teoria dos quatros humores humanos, também desde a
medicina galênica, pensa a alternância da ação política desde os humores dos
Grandes, do Povo e da Plebe.38 A propósito de favorecer o
entendimento dos tumultos em Roma, escreveu:
“Direi que quem condena
os tumultos entre os nobres e a plebe parece censurar as coisas que foram a
causa primeira da liberdade de Roma e considerar mais as assuadas e a grita que
de tais tumultos nasciam do que os bons efeitos que eles geravam; e não
consideram que em toda república há dois humores diferentes, o do povo e o dos
grandes, e que todas as leis que se fazem em favor da liberdade nascem da
desunião deles, como facilmente se pode ver que ocorreu em Roma” (D, I, 4, pp.
21-22).
Maquiavel
apresenta a seguir a conhecida passagem, em que elogia o tumulto, sobremaneira
o dos romanos. Tratando da tumultuária República Romana, escreve: “E não se
pode ter razão para chamar de não ordenada uma república dessas (tumultuárias),
onde há tantos exemplos de virtù; porque os bons exemplos nascem da
boa educação; a boa educação, das boas leis, e as boas leis, dos tumultos que
muitos condenam sem ponderar” (Ibidem). Em outra passagem, Maquiavel
aplica a teoria dos umori a um caso específico da ação
política, ao escrever: “Assim, conclui-se que sempre que forem chamadas forças
estrangeiras por uma facção de homens que vivam nalguma cidade, pode-se
acreditar que isso advém das más ordenações dessa cidade, por não haver, dentro
de seus limites, uma ordenação que permita desafogar os humores malignos que
nascem nos homens, sem o emprego de modos extraordinários...” (D, I, 7, p. 36).
Contudo,
“Maquiavel não
funda, propriamente, uma antropologia filosófica. Porém, pelas assertivas,
contidas em sua obra, acerca da natureza e da condição histórica humanas,
delineia de modo realista, naturalista, pragmático39 e dinâmico
o que tem sido o homem, sob a ótica do poder em movimento, e constrói, no
limite, uma antropologia política.40 Contudo, de modo
aparentemente paradoxal, pois Maquiavel escreve que os homens são sempre os
mesmos, como o céu, o sol, os elementos por não terem mudado de movimento,
ordem e poder. Se a antropologia política maquiaveliana inspira-se em grande
parte no mundo antigo, contém um refendimento mais romano que grego”.41
Segundo Bignotto,
“se a maldade dos homens é um dado universal da condição humana, como podemos
esperar que as leis, produtos de seres defeituosos, possam corrigir os defeitos
da natureza, a ponto de fazer, do mal, o bem?”42
Uma das primeiras
coisas a ser considerada acerca da natureza humana em ação na política é a
existência de “dois humores diferentes, o do povo, e o dos grandes, e que todas
as leis que se fazem em favor da liberdade nascem da desunião deles” (D, I, 4,
p. 22). Se na República Romana o tumulto constituiu-se como causa da liberdade,
para Maquiavel,
“(...) não se pode
ter razão para chamar de não ordenada uma república..., onde há tantos exemplos
de virtù; porque os bons exemplos nascem da boa educação; a boa
educação, das boas leis; e as boas leis, dos tumultos que muitos condenam sem
ponderar: porque quem examinar bem o resultado deles não descobrirá que eles
deram origem a exílios ou violências em desfavor do bem comum, mas sim a leis e
ordenações benéficas à liberdade pública” (D, I, 4, p. 22).
Maquiavel emenda o
raciocínio, afirmando que
“(...) se alguém
dissesse: os modos eram extraordinários, quase ferozes, ver o povo, a correr em
tumulto pelas ruas, a fechar o comércio, a sair toda a plebe de Roma, são
coisas que assustam quem lê, e não poderia ser diferente; digo que toda cidade
deve ter os seus modos para permitir que o povo desafogue sua ambição,
sobretudo as cidades que queiram valer-se do povo nas coisas importantes; a
cidade de Roma, por exemplo, tinha este modo: quando o povo queira obter uma
lei, .., ou se negava a arrolar seu nome para ir à guerra, de tal modo que,
para aplacá-lo, era preciso satisfazê-lo em alguma coisa” (D, I, 4, pp. 22-23).
Vez que “os
desejos dos povos livres raras vezes são perniciosos à liberdade, visto que nascem
ou de serem oprimidos ou da suspeita de que virão a sê-lo” (D, I, 4, p, 23).
Ao tratar das
cidades corrompidas, um dos temas recorrentes da reflexão acerca da conservação
ou ruína dos estados, Maquiavel interroga se “poderia manter um estado livre”,
que teria existido, ou seria necessário “ordená-lo, caso não exista”. Por ser
assunto inevitável, para o andamento do raciocínio, sob forma próxima da
hipérbole, pressupõe “uma cidade extremamente corrompida, a fim de aumentar
ainda mais a dificuldade; porque não há lei nem ordenações bastantes para frear
uma corrupção generalizada (universale). Porque, assim como os bons
costumes precisam de leis para manter-se também as leis, para serem observadas,
precisam de bons costumes” (D, I, 18, p. 72). Fugindo ao aparente aspecto
tautológico do comentário, escreve que “as ordenações e as leis criadas numa
república nascente, quando os homens ainda eram bons, mais tarde deixam de
convir, quando eles se tornam malvados” (D, I, 18, p. 72). O que indica um
acordo tácito primordial na linha da observância e do cumprimento dos bons
costumes, que ao transbordarem, em geral da cúpula do estado para a população e
não em movimento contrário, tornam-se ineficazes e abrem a expectativa do uso
de remédios amargos, extraordinários, para restauração da ordem política.
Sabendo-se que a depender do grau de corrupção, pode não haver remédio capaz de
fazer uma cidade retornar aos seus princípios, o que é sempre desejado. Para
tanto, em Roma, fora criada a instituição da ditadura, com o fim específico de
que homem pleno de virtù, logo justo, honesto e com capacidade de
ver – para além das aparências imediatas – os desgastes das ordenações e a
corrupção, outrora latente, que se aproxima. Como ocorreu a Cincinato, que
obteve poderes para colocar “a casa em ordem” na República Romana, e após seis
meses de mandato, pôde voltar ao seu arado, sem dar golpe ou tirar vantagens
pessoais pelo cumprimento do mais estrito dever cívico: as instituições e as
ordenações de volta aos princípios matriciais.
Contudo, será
preciso variar com os tempos as ordenações, se se quiser manter a boa fortuna.
Pois muitos agem, politicamente, ou com impetuosidade ou com cautela. Há uma
grande potencialidade de ambas as formas darem erradas ao momento da ação
política. Porém, “erra menos e tem fortuna próspera quem, (...), ajusta seu
modo aos tempos e sempre procede conforme o força a natureza” (D, III, 9, p.
351). Piero Soderini, gonfaloniere de Florença, agia com
humanidade e paciência. Os inimigos da família Medici, denunciados a ele por
Maquiavel, avançam no interesse de retomar o poder em Florença. O que
aconteceu, ao final de 1512. Maquiavel em um poema o coloca no Limbo, que é
lugar de crianças não batizadas falecidas. Pela metáfora, Soderini não fora
batizado para a vida nova da política. Afinal, política é para atores adultos,
repletos de virtù, não amadores, mais ou menos bem e
mal-intencionados. “O papa Júlio II, durante todo o tempo do seu pontificado,
procedeu com ímpeto e fúria; e, como os tempos o acompanharam, ele teve sucesso
em todas as suas empresas. Mas, se sobreviessem outros tempos que exigissem
outra índole (consiglio), ele necessariamente se arruinaria, porque não
teria mudado de modo nem maneira de agir” (D, III, 9, p. 353). De volta à trama
dos desígnios da natureza humana, analisa que “são duas as razões pelas quais
não podemos mudar: uma é não podermos nos opor àquilo que a natureza nos
inclina; outra é que, quando alguém prospera muito com um modo de proceder, não
é possível convencê-lo de que fará bem em proceder de outra maneira” (D, III,
9, p. 353). Destarte, “no homem a fortuna varia, porque variam os tempos, e ele
não varia os modos” (D, III, 9, p. 353). Vez que “os homens não devem ter dos
tempos as mesmas impressões, visto terem desejos, predileções e considerações
diferentes na velhice e na juventude” (D, II, (Prôemio), p. 180).
Por ser talvez o
primeiro Filósofo a reconhecer o uso da crueldade para fins políticos, a
fortuna crítica da obra maquiaveliana sofreu duros reveses. Para Maquiavel a
crueldade deve ser bem utilizada, para fins de observância do cumprimento do
bem público acima dos interesses privados. Nada de vingança pessoal, grupal. As
decisões no campo da grande política, da ação política voltada para a
realização dos fins do bem público, incluem a crueldade. Como a de Rômulo. A
propósito, lê-se em O Príncipe que “[n]ão deve, portanto,
importar ao príncipe a qualificação de cruel para manter os seus súditos unidos
e com fé, porque com raras exceções, é ele mais piedoso do que aqueles que por
muita clemência deixam acontecer desordens, das quais podem nascer assassínios
ou rapinagem” (P, cap. XVII, p. 69). Pois, “ainda não lhe importe incorrer na
fama de ter certos defeitos, defeitos estes sem os quais dificilmente poderia
salvar o governo, pois que, se se considerar bem tudo, encontrar-se-ão coisas
que parecem virtudes e que, se fossem praticadas, lhe acarretariam a ruína, e
outras que poderão parecer vícios e que, sendo seguidas, trazem a segurança e o
bem-estar do governante” (P, XV, p. 64). Prossegue Maquiavel: “[c]reio que isto
seja consequência de serem as crueldades mal ou bem praticadas. Bem usadas se
podem chamar aquelas (se é que se pode dizer bem do mal) que são feitas, de uma
só vez, pela necessidade de prover alguém à própria segurança e depois são
postas à margem, transformando-se o mais possível em vantagem para os súditos”
(P, VIII, p. 38). Afinal as “injúrias devem ser feitas todas de uma vez, a fim
de que, tomando-se-lhes menos o gosto, ofendam menos. E os benefícios devem ser
realizados pouco a pouco, para que sejam mais bem saboreados” (P, VIII, p.
38).
Sem perder a
atenção à natureza humana, Maquiavel indica ao príncipe o uso das leis e o uso
da força.
“Deveis saber,
portanto, que existem duas formas de se combater: uma, pelas leis, outra, pela
força. A primeira é própria do homem; a segunda, dos animais. Como, porém,
muitas vezes a primeira não seja suficiente, é preciso recorrer à segunda. Ao
príncipe torna-se necessário, porém, saber empregar convenientemente o animal e
o homem. Isto foi ensinado à socapa aos príncipes, pelos antigos escritores,
que relatam o que aconteceu com Aquiles e outros príncipes antigos, entregues
aos cuidados do centauro Quiron,43 que os educou. É que isso
(ter um preceptor metade animal e metade homem) significa que o príncipe sabe
empregar uma e outra natureza. E uma sem a outra é a origem da instabilidade.
Sendo, portanto, um príncipe obrigado a bem servir-se da natureza da besta,
deve dela tirar as qualidades da raposa e do leão, pois este não tem defesa
alguma contra os laços, e a raposa, contra os lobos. Precisa, pois, ser raposa
para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos. Os que se fizerem
unicamente de leões não serão bem sucedidos. Por isso, um príncipe prudente não
pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial e
quando as causas que o determinaram cessem de existir” (P, XVIII, pp. 73-74).
Porque se “os
homens todos fossem bons, este preceito seria mau. Mas, dado que são
pérfidos...” (P, XVIII, p. 74). E mais, “tão simples são os homens, e obedecem
tanto às necessidades presentes, que aquele que engana sempre encontrará quem
se deixe enganar” (P, XVIII, p. 74). Com a ressalva de que “um príncipe, e
especialmente um príncipe novo, não pode observar todas as coisas a que são
obrigados os homens considerados bons, sendo frequentemente forçado, para
manter o governo, a agir contra a caridade, a fé, a humanidade, a religião. É
necessário, por isso, que possua ânimo disposto a voltar-se para a direção a
que os ventos e as variações da sorte (fortuna) o impelirem, e, como disse mais
acima, não partir do bem, mas podendo, saber entrar para o mal, se a isso
estiver obrigado” (P, XVIII, p. 74).
Porém, se o
príncipe é pura aparência, mesmo devendo ser justo, religioso, parcimonioso, se
não puder ser e ter tais qualidades, que devem compor sua virtù, de
modo a compor com a frieza, o cálculo político, a rapidez da tomada de decisão
– exemplarmente, em caso de guerra, pois adiar uma guerra é perdê-la de antemão
–, deve ao menos parecer ser justo, etc. Pois, “o príncipe não precisa possuir
todas as qualidades..., bastando que aparente possuí-las” (P, XVIII, p.74). Uma
vez que “os homens, em geral, julgam mais pelos olhos do que pelas mãos, pois
todos podem ver, mas poucos são os que sabem sentir. Todos veem o que tu
pareces, mas poucos o que és realmente, e estes poucos não têm a audácia de
contrariar a opinião dos que têm por si a majestade do Estado. Nas ações de
todos os homens, máxime dos príncipes, onde não há tribunal para que recorrer,
o que importa é o êxito bom ou mau” (P, XVIII, p. 75). Além do que “o comum dos
homens [universale] se nutre tanto do que parece ser quanto do que é:
aliás, muitas vezes se comovem mais com as coisas que parecem ser do que com as
que são” (D, I, 25, p. 87).
Talvez o juízo
mais duro de Maquiavel ao tratar do homem advenha da constatação de que há três
espécies de homens, desde a constatação de “como há três espécies (generazione)
de cabeças (cercelli) – uma, que entende as coisas por si mesma, outra
que sabe discernir o que os outros entendem, e, finalmente, uma que não entende
nem sabe ajuizar do trabalho dos outros [a primeira é excelente (excellentissimo),
a segunda muito boa (excellente) e a terceira inútil (inutile)]
(P, XXII, p. 97). O príncipe deverá levar isto em conta ao pensar a ação
política, ao escolher os conselheiros, ao formar seu exército e exercitar
a virtù para ler os sinais dos tempos e tomar decisões que
antecipem fatos políticos inconvenientes e a surpresa da fortuna, desde o
conhecimento dos tipos de homens que existem. Assim, também as leis, de alguma
forma, podem levar em conta tais desígnios.
A necessidade de
criação da lei emergida do conflito social, conflito que é natural da sociedade
desde a diferença de umori, como condição humana e história, pois
Maquiavel, considera “que os apetites humanos são insaciáveis, porque, tendo os
homens sido dotados pela natureza do poder e da vontade de desejar todas as
coisas e pela fortuna de poder conseguir poucas, o resultado é o contínuo
descontentamento nas mentes humanas e o fastio das coisas possuídas...” (D, II,
(Proêmio), p. 180). Mormente, o apetite pelo poder, quase sempre dissimulado na
forma de boas intenções, a ocultar o desejo de domínio. Com a ressalva de que
“os homens não sabem ser maus com honra nem bons com perfeição, e que quando
uma maldade tem em si grandeza ou é parcialmente generosa, eles não sabem
praticá-la” (D, I, 27, 90). Contudo, para a tensionada relação entre bondade e
maldade humanas, Maquiavel a infere de modo sintético, ao registrar que se “os
homens todos fossem bons, este preceito seria mau. Mas dado que são
pérfidos...” (P, XVIII, p. 74).
A lei e o direito,
garantidores da liberdade cívica conquistada desde os conflitos sociais, podem
ser cumpridos se ocorrer o mantenimento dos bons costumes, da boa educação,
conjugadas com boas armas – ferros, em linguagem maquiaveliana. Pois, “as
principais bases que um Estado tem, sejam novos, velhos ou mistos, são as boas
leis e boas armas” (P, XII, p. 49). Ao que complementa: “não podem existir boas
leis onde não há armas boas” (P, XII, p. 59). Assim, o Estado e o governante
carecem armar-se dos homens na confiança e nas armas. Porém, sob a atenção
omnipresente da virtù do governante e da virtù da
população. Afinal, Maquiavel prevê a relevância da ação política desde a
combinação contraditória de desejos e interesses de várias ordens, sob
ordenações e instituições políticas legítimas e fundadas no cálculo do realismo
político, fruto de observação das coisas modernas e da leitura dos antigos,
calcado no chão seguro da História.
3. Norma como promessa: entre legalidade e
legitimidade
3.1. Estrutura da promessa
Para dar um
andamento distante daquele do Prof. Frederick Schauer e percorrendo vertentes
outras de seus desiderata, tratar-se-á de revisitar o texto de Searle,44 notando-se
que este – além de apresentar os fundamentos dos contratos em qualquer sistema
de direito -implicitamente permite (embora não o faça) uma nova teoria da norma
jurídica – o que se esboçará aqui.
Como a maior parte
dos conceitos relevantes, pelo tratamento oferecido pelos diferentes estudiosos
– acepções diversas se instauram e, entre outras, este de norma foi entendido
como: valor, padrão, esquema, guia, regulação, lei, costume, código, pauta,
preceito, regra, critério, métrica etc.
Nesta seção a
norma será vista, também, como um conceito ainda mais tênue45 e
que tende, na sociedade de informação, a receber outros sentidos e incorporar
expressões vagas como boas práticas; as melhores condutas; segundo a praxe do
setor; nos limites da boa-fé objetiva; de acordo com a legislação de regência
etc.
Além desse sentido
não se deixará de considerar sua inserção, por efeito de ser incorporada por
via de representações sociais, como parte integrante do sujeito, entendido como
uma atmosfera semântico pragmática com sua inafastável poluição.46
Posto isso, para
os não afeitos ao estilo e problemas de Searle, passa-se a apresentar uma
síntese de suas posições, que interessam a esta seção, a partir de texto
anterior.47
Executar um ato de
fala consiste em:
1) expressar
palavras (morfemas, frases) que realizam um ato expressivo;
2) atribuir
àquelas palavras uma predicação e uma referência que constituem o ato
proposicional;
3) um ato
ilocutório ou promessa explícita;
4) um ato
perlocutório ou ato de compreensão do receptor da mensagem.
Tendo em vista o
conceito de norma que se passará a desenvolver, a promessa merece particular
análise, que pode ser assim compendiada:
Um sujeito S que
enuncia uma frase F na presença de um receptor R, promete algo de modo sincero
e sem defeitos a R se e somente se subsistem as seguintes condições:
a) há condições
normais de recepção e emissão, isto é, os sujeitos em comunicação conhecem a
língua, compreendem o que estão fazendo e não há impedimentos físicos à
comunicação;
b) ao enunciar F,
S enuncia um determinado conteúdo e predica um ato futuro sobre o próprio S.
Não se pode emitir promessas sobre atos passados;
c) R prefere que S
realize o fato mencionado a não o realizar e S crê que R prefere que cumpra sua
promessa em lugar de não a cumprir;
d) não é óbvio nem
para S nem para R que a realização do prometido por S seja uma decorrência
normal dos acontecimentos. O ato deve buscar um resultado. Assim, por exemplo,
a promessa “Um dia morrerei” não merece esse nome;
e) S quer fazer,
realmente, o que promete;
f) S quer que a
enunciação de F o obrigue a cumprir o ato prometido;
g) S pretende
informar a R do conhecimento C que o enunciado de F deve conter e que obriga ao
cumprimento do ato. S quer transmitir esse conhecimento C reconhecendo suas
próprias intenções e quer que tais intenções sejam reconhecidas por meio do
conhecimento que R tem do significado de F (intenção reflexiva);
h) as regras
semânticas da língua falada por S e R são tais que F se enuncia correta e
sinceramente se e somente se subsistem as condições acima, todas.
De tais regras,
ínsitas a toda contratação, Searle obtém algumas que lhe permitem usar um
indicador da força da ilocucional (o performativo “eu prometo”):
1) Regra
do conteúdo proposicional: o “eu prometo” só pode ser usado em enunciado
que predique um ato futuro de S.
2) Regra
preparatória: uma promessa só pode ser cumprida se R prefere que S realize
o ato prometido em lugar de não e se S acredita que R assim prefere, S não deve
cumprir um ato que não tenha prometido cumprir.
3) Regra
de sinceridade: só há promessa se S tem intenção de executar o que promete.
4) Regra
essencial: o enunciar uma promessa obriga a cumprir o que se promete, isto
é, toda promessa é uma obrigação.
Essas regras valem
para todos os atos ilocutórios e a adoção de uma finalidade ilocutória para
esclarecer os usos linguísticos promove a redução das coisas fundamentais que
se faz com a linguagem. Diz-se aos outros como se desenvolvem as ocorrências e
sobre o estado dessas; expressam-se os sentimentos e disposições e provocam-se
mudanças quando se profere certos enunciados. Amiúde, com a emissão de um só
enunciado provocam-se mais de uma dessas ações. E, como supedâneo de todas
essas possibilidades radica a confiança. A comunicação requer, sempre, um voto
de confiança ao interlocutor.
Searle considera
essenciais para efeito de uma taxonomia dos atos ilocutórios:
a) A
adaptação palavra-mundo: a afirmação, por exemplo, busca adequar as
palavras a um estado de coisas (mundo); a promessa busca realizar um estado de
coisas que satisfaça a descrição linguística da promessa.
b) O
estado psicológico expressado: uma decorrência da condição de sinceridade,
ao executar um determinado ato linguístico, o emissor emite uma atitude mental
ou psicológica quanto ao conteúdo da própria enunciação e, mercê desses
requisitos, assim classifica os atos ilocutórios:
Representativos: caracterizados por sua
finalidade ilocutória que obriga o emissor a expressar a verdade da proposição
enunciada. Incluem-se nessa rubrica: as constatações, as assertivas,
explicações, classificações, descrições, diagnósticos etc.
Diretivos: a finalidade ilocutória
desse item consiste em provocar a ação do receptor. Seu conteúdo é sempre uma
ação futura. Exemplos: o convite, a pergunta, o conselho, o pedido (o que se
faz em petições, por exemplo) etc.
Promissórios: obrigam o emissor a
realizar alguma ação futura. Entre outros: prometer, jurar, ameaçar, oferecer
etc.
Expressivos: sua finalidade ilocutória coincide
com a expressão do estado psicológico referente ao conteúdo proposicional.
Incluem: agradecer, cumprimentar, lamentar, deplorar, desculpar (-se) etc.
Declarativos: determinam a correspondência
entre o conteúdo proposicional e um estado. Exemplos: casar, legar, despedir,
nomear etc. Nesse item a condição de sinceridade não subsiste, pois é
substituída pela referência a um sistema normativo extralinguístico como: o
ordenamento jurídico; as normas canônicas; os contratos particulares etc.
Como se pode notar,
a abordagem analítica carece de muitas nuances postas pela análise do discurso
e pelas tratativas do construcionismo de feição moscoviciana.48 Mas,
para efeito da abordagem que se vai construir deve-se notar que a posição de
Searle se preocupa com as relações entre interlocutores em relação de
coordenação, em que se há alguma dominação essa se estabelece por efeito da
enunciação de frases performáticas que implicam uma resposta ativa do
interlocutor.
A pressuposição
presente neste texto é a de que, não apenas pela habitualidade relacional,49 mas
ainda por questões de fatores atuantes,50 estratégias51 ou
situações52 estabelecem-se pautas de conduta que estruturam
relações de subordinação, além daquelas de coordenação, em situações
comunicativas.
A atividade humana
constitui um fenômeno sócio-histórico que surge, muda e se aperfeiçoa segundo o
desenvolvimento das relações sociais (logo lastreadas em processos
comunicativos e metacomunicativos) às quais se subordina e, contemporaneamente,
transforma constantemente.
O enfoque genético
da atividade humana permite lobrigar por que o processo de antroposociogênese
foi essencial para que o animal em estado de natureza, capaz de satisfazer,
exitosamente, suas necessidades materiais de sobrevivência, adviesse a um
estado de civilidade e de comunicação.
A explicação se dá
pelo processo histórico de surgimento de novas necessidades em razão da
formação dessas mesmas relações sociais e cuja satisfação exigia a aparição e
aperfeiçoamento de novas atividades e habilidades – exigindo novos termos e
novas relações. Seria por demais simples acreditar que os processos
comunicativos pudessem surgir, sponte propria, da simples
aproximação de dois seres em relação. Há um substrato de atividade humana que
se impõe e permite a comunicação possível entre tais sujeitos, isto é, dois
cérebros em tanques não seriam capazes, sem conexões adequadas, de estabelecer
comunicação entre si.
O esfacelamento
recente das categorias “sujeito” e “objeto” e mesmo da noção de processo, pelo
reconhecimento implícito de que, embora o homem permaneça sendo o sujeito da
atividade, não há uma continuidade nesse sujeito e mesmo sua intencionalidade53 não
permanece constante, leva a uma necessária reavaliação do conceito de formação
de processos comunicativos.
É preciso,
inicialmente, perceber que a História não é registro linear de ações mas, e até
principalmente, de conflitos e rupturas na ordem estabelecida. Um largo período
sem conflitos e decisões terá poucos registros de cunho histórico. Mas a
atividade humana busca, por vezes, apesar de si, assegurar a conservação, a
segurança e o desenvolvimento permanente da sociedade, isto é, busca reproduzir
condições que extravasam a própria necessidade do agente, tais como: as
relações sociais; a cultura e o modo de produção em que está inserido, até
mesmo pelo uso de processos e instrumentos (meios de produção) característicos
desse modo, como se essas rupturas e estados conflitivos inexistissem. Surge a
grande ficção de um espírito absoluto capaz de conduzir a História a seu
desígnio. Esse último grande sistema filosófico, o hegeliano, por seus
continuadores de esquerda e de direita, influenciará todo o panorama filosófico
e dará preponderância a abordagens consensualistas.
As versões
conflitivistas insistiam na existência de um profundo hiato entre as aspirações
de trabalhadores e capitalistas e desenvolviam todo um sistema filosófico a seu
redor. Admitiam que o sujeito forma sua mundividência a partir do contato
prático-sensorial com a realidade, mas também e principalmente através de seu
contato com outros homens, cujos valores e objetivos extrapolam o contato
sensorial direto com a “realidade”. A sociedade constituída pelo agir concreto
dos homens dava-lhes, ao mesmo tempo, os conteúdos da consciência e,
paradoxalmente, de sua alienação.
Embora
reconhecendo que o homem frente à realidade não tem a atitude de um abstrato e
imaterial sujeito cognoscente examinando a realidade especulativamente, deve-se
reconhecer que, enquanto ser que age objetiva e praticamente na busca de seus
interesses (utilidades), em relação com a natureza ou outros homens, no seio de
relações sociais específicas a seu tempo, ainda assim, ao agir, necessita se
comunicar e de forma direta ou indireta, os elementos componentes da atmosfera
semântico-pragmática em comunicação com outra, expressam a consequência
necessária das múltiplas interações e que se revelam pela alteração dessa atmosfera
e de sua poluição, a cada contato. Ou seja, os seres humanos, em relação
sempre, apesar da ação concreta a empreender – pois suas relações se dão no
interior de um concreto estado de coisas –, estabelecem um processo
comunicativo semântico pragmático. No dizer de Baquílides de Ceos (acme 466
a.C.):
"Agora como
sempre,
com outro é que se
obtém perícia:
pois não é fácil
alcançar
a porta das
palavras nunca ditas".54
Como o horizonte
possível para a comunicação permanece limitado pela interseção entre as distintas
atmosferas em relação, a função pragmática será limitada por essa mesma
interseção. Assim, os aspectos educacionais serão relevantes para efeito da
aplicação de uma teoria pragmática como substrato de uma concepção do Direito e
da sociedade em que este está imerso. E aqui fala-se em Direito precisamente
porque as ações possíveis no seio de uma sociedade, em circunstâncias de agir
normal e conforme, decorrerão nos limites postos pelo ordenamento jurídico, em
decorrência de promessas implícitas que definem o funcionamento da sociedade e
de seus processos.
Estes últimos são,
com frequência, não planejados pois sua direção se define a partir da
interdependência dos atos de vontade e dos planos de muitos seres humanos.
Pensa-se aqui na soma vetorial de muitos vetores (atores) com resultante quase
sempre distinta dos atos praticados isoladamente por aqueles atores.
A direção dos
processos sociais advém, em larga parte, das configurações sociais e essas têm
larga influência de grupos organizados (atores coletivos) que, na linguagem de
Norbert Elias, promovem ofensivas civilizatórias (ações que visam a influenciar
o comportamento social e introduzir mudanças), mas não dependem apenas dessas.
O planejamento social parece ser uma possibilidade adveniente do curso de um
processo não planejado – o planejamento é característico de uma fase do
desenvolvimento não planejado e entrelaça-se continuamente com ele.
Assim, o projeto
(seja o da consecução de uma determinada utilidade, seja o da produção de
condições de domínio) defluirá de condições sociais pré-existentes. Entretanto,
nem por isso deixará de propiciar a produção de novos projetos quando, no
âmbito civilizatório, conduzir à criação de novos objetos.
3.2. Texto legal como promessa
Para reduzir a
conflitividade inerente à imposição de estruturação de poder pelo ato
constitutivo da forma de governo a implementar, por efeito de atuação de
ofensiva civilizatória decorrente de projeto de grupos organizados – faz-se
preciso oferecer uma promessa de gestão conforme que ofereça, para efeito de
conflitividade diminuída, uma certa igualdade frente à lei (erradicação formal
do privilégio).
É preciso refletir
sobre a produção do texto legal (a Constituição, por exemplo) pelos que se
apoderam, a qualquer título, do direito de fazê-lo. Para além dos mecanismos
construídos pelo neoliberalismo de concessões tendentes a estabelecer uma
equidade formal (como aqueles dos direitos e garantias individuais e dos
direitos sociais) posta no texto legal constituidor do sistema de poder gerido
pelo governo em seus diferentes aspectos, deve-se obter legitimidade mediante a
persecução sistemática das promessas postas (pelos detentores do poder) nos
textos legais.
3.2.1. Pré-condições da proposição da promessa
Conforme já se
mostrou,55 uma forma pertinente de se pensar o sentido de
Cultura e Civilização é o de entendê-las, respectivamente, como o conjunto de
projetos e como o conjunto de objetos de uma sociedade.56 A
cultura e a civilização de uma dada sociedade são, dessa forma, produtores e
produtos do processo sócio histórico de cada sociedade: os projetos são
pressupostos da produção dos objetos que, por sua vez, uma vez produzidos
(raramente como se os projetou) levam à formulação de novos projetos.
É preciso ressaltar,
entretanto, que os textos legais não são instituidores da sociedade – refletem
e buscam manter suas condições de funcionamento – via de regra pela óptica dos
poderosos.57
Dessarte – nem a
constituição de Dracon,58 nem a de Sólon59 efetivamente
constituem, conforme é habitual pensar, mas recolhem as regras do efetivo
funcionamento sócio histórico, ao mesmo tempo que, por seu efeito premunitivo e
ideológico, introduzem as pretensões dos poderosos que, para efeito de reduzir
a conflitividade implícita ao ato de poder prefixam os rumos da sociedade que
pretendem produzir e fazer conduzir e, em contrapartida, prometem regras e
princípios que aceitam cumprir para obter homeostase social a mais baixo custo.
Entre as promessas
mais relevantes encontram-se aquelas de manutenção do status quo e
de produção de uma sociedade igualitária (vejam-se, no caso brasileiro, por
exemplo, os arts. 1º, 3º, 4º e 5º da Constituição Federal); os princípios
instituidores da nova ordem social e que fixam os limites da conduta dos
promitentes em relação aos recipientes das promessas.
Nas sociedades
ditas mais primitivas60 a progressiva instituição do domínio
faz necessária a introdução de contrapartidas para efeito de instabilizar
coalizações61 e o produzir de lideranças intestinas hostis. Ao
longo da história são frequentes as concessões feitas pelos poderosos para a
manutenção do estado de coisas – basta ver, por exemplo, a remissão das dívidas
feitas na legislação atribuída a Sólon e de interesse dos optimates; as
sucessivas revisões legislativas efetivadas pelo Senado Romano para a mantença
do poder e redução de revoltas intestinas,62 a Magna
Charta Libertatum Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione
libertatum ecclesiae et regni angliae de 1215, que restringiu os
poderes do Rei João de Inglaterra por efeito de suas dissensões com o papado e
os nobres ingleses conduzindo ao constitucionalismo posterior –, entre outros
exemplos possíveis.
Nas sociedades
mais complexas, para além dos procedimentos,63 há expectativas
que exigem satisfação. Assim, mesmo que todos os procedimentos tenham sido
rigorosamente cumpridos, se a norma criada por intermédio desses e pelos homens
autorizados (por outros procedimentos ou ficções) a fazê-lo – ainda assim –,
caso essa norma não se coadune com os projetos da sociedade (capaz de
manifestação), parecerá ilegítima64 e mesmo, por vezes, ilegal.65 Dessarte,
tomando o texto cum grano salis, pode-se refletir sobre o que
escreveu Agamben em O Mistério do Mal,66 porque
volta a chamar a atenção para a distinção entre dois princípios essenciais de
nossa tradição ético-política, das quais as sociedades parecem ter perdido
qualquer consciência: a legitimidade e a legalidade. Se é tão profunda e grave
a crise que nossa sociedade está atravessando é porque ela não questiona
a legalidade das instituições, mas também sua legitimidade;
não só, como se repete muito frequentemente, as regras e modalidades do
exercício do poder, mas o próprio princípio que o fundamenta e legitima.
Os poderes e as
instituições não são hoje deslegitimados porque caíram na ilegalidade; é mais
verdadeiro o contrário, ou seja, que a legitimidade é difundida e generalizada
porque os poderes perderam toda consciência de sua legitimidade. Por isso é vão
acreditar que se pode enfrentar a crise das sociedades por meio da ação
(certamente necessária) do poder judiciário – uma crise que investe a
legitimidade não pode ser resolvida somente no plano do direito. A hipertrofia
do direito que tem a pretensão de legiferar sobre tudo, revela, isso sim,
através de um excesso de legalidade formal, a perda de toda legitimidade
substancial. A tentativa moderna de fazer coincidir legalidade e legitimidade,
procurando assegurar, através do direito positivo, a legitimidade de um poder,
é – como resulta do irrevogável processo de decadência em que ingressaram as
instituições democráticas – totalmente insuficiente. As instituições de uma
sociedade só continuarão vivas se ambos os princípios (que em nossa tradição
também receberam o nome de direito natural e direito positivo, de poder
espiritual e poder temporal ou, em Roma de auctoritas e potestas)
se mantiverem presentes e nelas agirem, sem nunca pretender que
coincidam.
Esse divórcio
entre os dois conceitos, fundamentais para a teoria política e para a do
direito conduzirão a muitas questões relevantes, entre as quais se encontram a
perda de sentido posta por Weber,67 uma vez que a metódica da
vida perde seu fundamento moral e as ações racionais com vistas a fins se
autonomizam – levando a uma perda de lugar no mundo (origem de toda violência
no sentir de Hannah Arendt68). A legitimidade, por essa via,
consistiria na legalidade das decisões, aquela do procedimento (e, portanto,
meramente formal), de fraco suporte subjetivo.
De um outro ponto
de vista, Habermas dirá que esse enfraquecimento da legitimidade se dá em
função da burocratização da vida privada e pública, bem assim de sua
monetarização.69 A instrumentalização do Lebenswelt (mundo
da vida) por efeito das exigências sistêmicas, o desfazimento dos complexos de
ação dotados de organização formal (estado e economia) conduz ao predomínio de
ações cognitivo-instrumentais, rompendo a familiaridade necessária à produção
de um sentido legítimo para os atos no espaço público e privado. A tradição cultural
se empobrece e os processos de entendimento se esvanecem.
Pensa-se,
abandonando e adotando posições de ambos, que a produção dos textos legais
(projetos de funcionamento da sociedade) terá como contrapartida sua efetiva
aplicação para alcance dos interesses de seus endereçados ou de seus
aplicadores por intermédio de normas concretas resultantes da compreensão
(sentido) / interpretação (significado) desses atores (players) e, em
particular, de terceiros autorizados (operadores) implicando, ao mesmo tempo, auctoritas e potestas. Não por acaso pôde escrever Walzer:70
“The need for
self-justification has, no doubt, a number of reasons; we can give both cynical
and sympathetic accounts of it. Why did the pharaohs of ancient Egypt, for
example, or the kings of Babylonia and Assyria, in the earliest inscriptions,
proclaim their commitment to seeing justice done, the poor sustained, widows
and orphans protected. Was it because the thought that their power would be
more secure if their subjects believed in commitment? Or because their own
self-esteem depended of thinking themselves committed? Or because the rituals
of commitment (and their inscriptions) were required by gods? Or because this
was what the rulers of states always said about themselves? (But why they said
it?) It doesn’t matter. If the pharaoh promises that he will see justice done,
then the way is open for some Egyptian scribe to take his courage in his hands
and write out a catalogue of the injustices the pharaoh in fact condones”.
E, de fato, o
enunciar de direitos e garantias (individuais ou sociais) em textos normativos
consiste não apenas em prometer (do latim promittere – por
adiante), mas permitir a exigência da promessa. Apenas se pode prometer ato
futuro do próprio promitente (ou daqueles que o sucedam em cargo ou função) e,
nesse sentido, a norma consiste em promessa que se faz para cumprir diante da
exigência de qualquer interessado, em particular daqueles com o múnus da
exigência e que atuam de ofício nesse exigir (polícia, ministério público,
órgãos da sociedade civil etc.). Com isso se afirma: os optimates,
por seus representantes, disciplinam a vida na civilização mediante projetos de
conduta que admitem como adequados para cada um dos aspectos dessa civilização,
em qualquer de seus estádios,71 vez que a mais sintética
definição de poder consiste em assumir que o poder obtém as condutas que
deseja.
3.2.2. A produção de textos legais como promessa
A grande variedade
de teorias contratuais, segundo Arendt,72 lastreadas em sua
maioria no poder estabilizador da promessa, deixava de considerar a
imprevisibilidade das suas consequências ao se tornar ação, não obstante, o
poder de fazer promessas ocupou e ocupa o centro do pensamento político.73
Desde o pacta
sunt servanda, que persiste como marco orientador da inviolabilidade dos
acordos e tratados em condições ceteris paribus, ao neminem
laedere e o cuique sum
tribuere – sempre se encontra à par da igualdade diante da promessa,
ainda a persistência dessa como princípio organizador dos negócios da sociedade
romana e, por persistência do sistema romano-germânico, de grande parte dos
ordenamentos ocidentais contemporâneos.
Se, ao sentir de
Arendt, as consequências da ação desencadeada são imprevisíveis e de longo
prazo, por outra parte, a manutenção da promessa entre particulares é cláusula
asseguradora do bom funcionamento da sociedade. Por outra parte, quando a
promessa se consubstancia em norma, essa, além prefixar as condutas esperadas,
gera o compromisso (para quem a põe) de exigi-la uniformemente de todos os
cidadãos endereçados pela norma (a igualdade frente a lei). Entretanto, e
sobretudo, nada mais exigir senão o prometido, e nada mais conceder senão o
prometido.
O cidadão, em
Arendt,74 é aquele que age e fala, ou seja, ação e discurso são
todo inconsútil afetando o presente e futuro. Nessa circunstância a
promessa antecipa a ação futura dando homeostase aos negócios dos homens, tendo
como garantia a legalidade. A promessa, ao obrigar para o futuro, empresta significado
aos atos que conduzem à sua realização.
Os princípios75 de
direito administrativo condicionam as promessas possíveis e as condições de sua
realização. Normas que impõem responsabilidade fiscal e suas consectárias (que
punem as condutas adversas) conferem substância à relação Governo –
administrados.
Os projetos
concebidos em dada sociedade são estruturados nos seus limites e condições de
possibilidade – a partir das promessas do ordenamento jurídico –, conformando
uma cultura76 compartilhável e uma civilização adequada a tais
projetos. A própria concepção do programa77 do projeto depende
do processo sócio histórico compartilhado pelo programador e pelo projetista.
Quando o projetista é exógeno acrescentará as condições de sua (sócio
historicamente adquirida) atmosfera semântico-pragmática,78 que
compõe sua possibilidade de projetar à compreensão do programa que lhe for
apresentado.
Assim, por
exemplo, quando Rousseau versa sobre a reforma do governo da Polônia,79 aporta
convicções oriundas de condições genebrinas (assim como já o fizera em Do
Contrato Social80) e o mesmo se observa em Montesquieu em sua
análise sobre a ascensão e decadência de Roma81 e dela, também,
não escapa qualquer autor que se volte à busca de explicações sobre a cultura,
a partir de informações civilizatórias.
3.2.3. A promessa nos delitos e penas
Delinquir
significa, nessa conjetura, qualquer procedimento que impeça o cumprimento da
promessa feita por via das normas à sociedade. O que se pune por esse abandono
da norma é, precisamente, o impedimento do cumprir da promessa.
O apenamento seria
(vez que depende da ponderação de quem edita a lei) tanto mais rigoroso quanto
mais danosa à manutenção geral da promessa fosse a transgressão cometida.
O regresso a Hart
proposto por Frederick Schauer é apenas parte de um programa positivista – de
fato as raízes são mais remotas e radicam no fértil solo do programa da
Modernidade.
O Marquês de
Gualdrasco e Villareggi, Cesare Bonesana-Beccaria, já em 1764, preocupado com o
uso das leis em benefício da minoria, publicou um ensaio que se tornou famoso
sob o título Dos Delitos e das Penas.
De seu ponto de
vista, essas leis facultam a alguns poucos o acúmulo de renda e privilégios,
restando aos demais a miséria e o descaso das autoridades. As boas leis servem
para dificultar os abusos das minorias promovendo o bem-estar mediante política
distributiva equânime assegurada pelas vias legais.
Sua visão
incorporava avanços relevantes entre os quais a visão de que a pena tinha
função preventiva e não retributiva; a probabilidade da punição e não sua
dureza produziria esse efeito de dissuasão. Além disso a pena deveria ser
proporcional ao crime cometido. O processo e o apenamento decorrente deveriam
ocorrer publicamente e terem aplicação em curto prazo – a fim de não perderem
sua efetividade. O requisito de publicidade visava proteger o imputado de
qualquer excesso das autoridades.
A influência de
ideias de Rousseau em seu pensamento tem sido sublinhada, em particular para
explicar a origem das penas que decorreriam da usurpação, pelo delinquente, da
liberdade cedida pelos demais a fim de consolidar a república e assegurar o bem
geral.
As penas
excessivas e odiosas contrariam o contrato social e, portanto, não são
admissíveis e o julgamento, sempre pelo magistrado, deve tornar a delinquência
desaconselhável e essa consiste no descumprimento da conduta compatível com a
norma – condutas atípicas não são penalizáveis. Por essa razão, a norma deve
ter caráter geral, erga omnes. Com isso, a finalidade da pena deve se
restringir à preservação do bom cumprimento das leis para que se evitem males
maiores – consoante a escola utilitarista –, punindo aquele que não se pautou
nas normas, desviando-se do contrato social. Qualquer punição que a isso se
exceda, de imediato, configurará um abuso.
Em matéria penal –
não cabe ao magistrado a interpretação da lei, vez que não é legislador.
Assim exige a clareza do texto legal – pois o texto obscuro é tão nocivo
quanto a interpretação arbitrária. A divulgação do texto legal deve ser ampla,
pois o conhecimento da pena reduz o intuito do cometimento de crimes.
Outra limitação se
impõe: as prisões arbitrárias não podem acontecer – a lei deve indicar os
requisitos indiciários para autorizar a prisão dos imputados de delito. A
liberdade é bem essencial a se proteger.
Para efeito
probatório são perfeitas aquelas provas que independem de outras – vez que se
alguma for mostrada falsa não alcançará as demais e o conjunto de provas (mesmo
uma única perfeita) deve conduzir à necessidade da emissão do edito
condenatório. Caso isso não ocorresse, o imputado deveria ser mantido livre. Se
houver apenas provas imperfeitas que não consigam afastar a possibilidade de
inocência, o réu deveria ser mantido livre.
Dessa forma,
pode-se observar com clareza o princípio da ampla defesa e do contraditório, em
que as provas podem tanto fazer com que um agente seja considerado inocente
como culpado ao final de seu julgamento.
Outro princípio a
ser observado é o de igualdade diante da lei, e para tanto Beccaria pretendia
que o julgamento fosse efetivado por iguais ao réu, isto é, por um júri popular
e que houvesse publicidade dos atos.
As penas deveriam
ser moderadas – penas cruéis induzem a novos crimes –, mas deveriam ser
eficazes, em particular, sem demora entre o crime e o castigo. Dessarte, a pena
de morte só poderia ser admissível em casos de grande conturbação social.
A pena de caráter
moral estudada por Beccaria consiste na decretação da morte social do
delinquente mediante a infâmia, o sacrifício da honra do apenado para benefício
coletivo. O banimento difere da infâmia, vez que afasta fisicamente o infrator
do território e serve para punir, por exemplo, o ócio político, o
descumprimento do dever de laborar para o crescimento e desenvolvimento da
sociedade.
Beccaria indicou
que a pena não poderia ser excessiva, nem muito branda – um equilíbrio buscado
pela dosimetria penal contemporânea –, para efeito de dar esperanças ao apenado
de que regressaria ao convívio social. Essa leitura humanitária das penas e sua
concepção de que o método mais eficaz para reduzir a criminalidade repousaria
no processo educativo influenciou a legislação penal de muitos países. De seu
ponto de vista somente a boa orientação civilizada e ética pode influir sobre
os impulsos naturais. A prevenção decorrente das leis úteis, claras e simples
que conduzam ao bem-estar e à mantença da paz são mais eficazes que o temor da
pena – que, para ser eficaz, tem de ser imediata.
Em outra vertente,
Marat, ao elaborar seu Plan de Législation criminelle, escreveu:82
“Ce qu’on
appelle de ce nom (les lois) qu’est-ce autre chose que les ordres d’un maître
superbe ? Leur empire n’est donc qu’une sourde tyrannie exercée par le
petit nombre contre la multitude. (…) Qu’importe, après tout, par qui les lois
sont faites, pourvu qu’elles soient justes; e qu’importe qui en est le
ministre, pourvu qu’il les fasse observer. (…) Périssent donc enfin
ces lois arbitraires, faites pour le bonheur de quelques individus au préjudice
du genre humain ; et périssent aussi ces distinctions odieuses, qui rendent
certaines classes du peuple ennemies des autres, qui font que la multitude doit
s’affliger du bonheur du petit nombre et que le petit doit redouter le bonheur
de la multitude!”
Ideias que são
complementadas, consistentemente, em seu Chaînes de l’esclavage:83 “C‘est
à la violence que les états doivent leur origine, presque toujours quelque
heureux brigand en est le fondateur et presque partout les lois ne furent, dans
leur principe, que des règlements de police, propres à maintenir à chacun la
tranquille jouissance de ses rapines”.
E, se a fundação
do estado lhe parece ato de força, as normas também teriam o mesmo fundamento.
Assim foi na perspectiva de uma tentativa de explicitar a formação do
Estado.
Prefere-se,
contudo, optar por outro posicionamento: se o ato de força acompanha a fundação
do estado, por outra parte, essa tensão precisa se resolver em estado
conflitivo de menor impacto para que a máxima eficiência possa ser alcançada –
a norma precisa conceder – pelo menos – uma identidade de tratamento: uma
isonomia. O que se promete (ao súdito, ao endereçado pela norma) ao normatizar
é que ela, a norma, será exigida de forma igual a todos – sem excetuar o
próprio legislador, nem mesmo ao que a aplica e ao que julga segundo suas
condições.
As diferentes escolas
contemporâneas de política penal84 e que se coordenam segundo
três correntes dominantes: a liberal, a igualitária e a totalitária – terminam
por convergir, mesmo na abordagem estrutural sistêmica, em um ponto: será
preciso reintegrar o condenado (a qualquer pena) ao sistema social.
Considerando, ainda, que a conduta infracional sempre dependerá da definição
dos detentores do poder sobre quais serão essas condutas apenáveis –
verifica-se, de todo modo, que as fronteiras dessas possibilidades são definidas
no interior do conjunto de promessas feitas pelas demais normas. Só pode haver
pena aplicável se houver norma que a determine (nulla poena, nullum crimen –
sine praevia lege poenali) e essa só pode ser posta se o conjunto das
demais normas o permitir. E, mesmo a aplicação desse princípio geral que
estabelece, por seu enunciado, as limitações decorrentes dos tipos penais à
aplicação da sanção, ainda assim, traz implicitamente aquelas decorrentes do
aparato estatal, como as estatais defluentes do controle de constitucionalidade
final de corte superior, que pode levar a aberrações;85 e as
internacionais – com a redução de eficácia decorrentes de soberanias estatais
e, enfim, com o mais constante dos desvios – a imposição de sanções penais
conforme a jurisprudência assente e que leva à desconsideração das
particularidades dos casos.
Mas, a sanção
penal só cobrará sentido com o afastamento do infrator se houver a
possibilidade de o Estado cumprir suas promessas para com os demais jungidos
pelo ordenamento (impedir as condutas tipificadas) – essa isonomia diante da
lei será a pedra de toque de uma possível justiça tribunalícia86 tendo
em vista as promessas implícitas no ordenamento.
3.3. Conclusão
Desta seção do
verbete, que trata da norma como promessa, várias consequências podem ser
derivadas: a norma consiste em promessa que a própria obtenção do domínio impõe
aos poderosos para redução da conflitividade por efeito do acesso ao poder; a
norma penal não apenas penaliza a conduta do infrator, mas (e principalmente)
busca afastar o impedimento do cumprimento da promessa do Estado de impedir as
condutas tipificadas; o objetivo da ação penal é reforçar o princípio da
igualdade perante a lei; a legitimidade dos poderosos decorre do cumprimento
das promessas postas pelo sistema normativo. Afastam-se com isso as leituras
aderentes às propostas de Hart e prepara-se uma possível transição para o
Direito da sociedade de controle e informação – que necessitará de uma
aproximação com aquele da Common Law. Outra conclusão, mais geral, é a que
segue. A teoria do direito e a filosofia política se apresentam como áreas cujo
olhar recíproco pode produzir mais compreensão dos seus respectivos objetos do
que a separação, proposta pelos positivismos, de uma área em face da outra. A
teoria da norma como promessa caminha nessa estrada mais ampla, que aglutina
áreas e permite olhares mais espraiados – e simultaneamente mais precisos –
sobre os temas de intersecção do direito com a filosofia política. Sob esse
olhar recíproco entre áreas, o direito é muito melhor compreendido, o que não
ocorre com as limitações decorrentes do recorte metodológico dos positivismos.
4. Considerações finais
O estudo de
autores dos séculos quinze, dezesseis e dezessete pode parecer, ao leitor
desatento, no mínimo um diletantismo e, no máximo, um disparate. Uma teoria da
norma que abranja o direito e a teoria do poder também pode parecer flertar com
a imprecisão.
No entanto, caso
se pense que o autor clássico é aquele que, por ter pensado, dá a pensar, a
perspectiva se inverte. Isto é, o autor clássico, por ter pensado em
profundidade uma série de problemas e temas, pode lançar luz no contemporâneo,
retirando o leitor do estado dogmático e cristalizado. Estudos mais abrangentes
acerca de temas estritamente jurídicos, como a norma, podem produzir o mesmo
efeito.
Não é novidade
alguma àquele minimamente habituado a leituras de sociologia jurídica e de
filosofia do direito que há uma grave crise no estudo e na prática do direito
contemporâneo (pode-se afirmar isso, até com um rol maior de argumentos, acerca
do Brasil). Pois o chamado estado democrático de direito, no que se refere a
sua existência substantiva, certamente sofre abalos cotidianos, e não é com
leituras abstratas do conceito de direito e de Estado que se chegará a alguma
compreensão dos fenômenos. É preciso tomar o direito como movimento, à luz de
filosofias políticas que buscam, por exemplo, na “verdade efetiva da coisa”
(Maquiavel), ou na imanência e na potência (Espinosa), suas fontes para
compreensão dos temas.
No que se refere à
existência substantiva de um exercício democrático como corolário de um estado
democrático de direito, algumas questões podem ser levantadas.
E sobre as
questões político-jurídicas particularmente, o mundo contemporâneo é fértil em
problemas que podem ser objeto de análise à luz de conceitos esboçados no
verbete.
Nesse sentido,
algumas indagações, a seguir. Como se pode falar em democracia no momento em
que grande parte dos cidadãos se vê excluída do corpo político? Ainda se pode
falar em corpo político quando os ditos cidadãos são sujeitos apolíticos,87 isto
é, têm apenas uma prática cidadã formal? Uma democracia apenas formal – na qual
a participação política consiste em que se vote de tempos em tempos – pode ser
chamada de democracia? Uma democracia representativa seria mesmo uma
democracia? Não seria, em vez disso, uma oligarquia, isto é, uma aristocracia
que se transmutou em oligarquia porque houve transferência da potência do corpo
político para as mãos de poucos? Faz sentido que se pense a democracia em uma
sociedade dominada pelos interesses das empresas transnacionais88 e
pelo capital financeiro, e, ainda, no caso dos países em desenvolvimento, por
políticas econômicas de organismos internacionais? Qual o peso do conceito de
soberania dos países sob a batuta desses organismos, nesse caso? Existe um
verdadeiro campo de ação política das democracias de países apontados como em desenvolvimento?
O estreitamento do campo de ação política não representaria a anulação da
democracia representativa? Uma democracia pode suportar altos graus de exclusão
social e baixos níveis de participação política sem se degenerar em tirania
travestida de democracia, ou em outro tipo de regime sob trajes democráticos?
Qual a conseqüência política de ações humanas que se dão, em larga medida, no
campo estrito do privado? Um regime democrático pode suportar altos graus de
violência imediata e mediata?89
No que se refere
ao direito, em seu estudo e em sua práxis, podem ser formuladas
questões que se ligam às formuladas acima.
A inflação
legislativa contemporânea possibilita que se afirme que as normas vigentes
representam efetivamente os interesses do corpo político? Pode-se dizer que os
cidadãos conhecem as leis no momento mesmo em que nem o jurista mais erudito é
capaz de conhecer todo o ordenamento jurídico? O estudo de normas, de modo
deslocado da realidade social, tem alguma utilidade social e política efetiva?
A tentativa inútil de sistematização de um ordenamento inflado pode ser
considerada relevante para o direito? Que legitimidade têm regulamentações de
leis90 que inflam o ordenamento, não têm sua fonte no poder
legislativo – pois advêm de braços do executivo –, e acabam por deformar,
muitas vezes, o sentido original da lei que pretendem regulamentar? Isso não
explicita uma crise da representação ainda mais profunda? Afinal, que
legitimidade tem um burocrata para fazer regulamentos que, sob a intenção de
aclarar e dar eficácia a leis, deformam o sentido da norma geral resultante do
poder legislativo e acabam, muitas vezes, ocupando seu lugar? Por outro lado, a
existência de uma série de direitos, para além do direito estatal, os quais são
totalmente ignorados nos estabelecimentos de ensino, não significa alienação
daquele que estuda e daquele que trabalha com o direito?
Um Estado, como o
brasileiro, que nem mesmo constituiu uma rede de proteção social efetiva, tem
legitimidade para fortalecer seu aparato penal no momento mesmo em que se
esquece de itens fundantes do corpo político, tais como educação para a
cidadania plena, direitos sociais em sentido amplo, etc.?
O fato de a
concepção espinosana de direito implicar a noção de que o direito se funda no
social, no corpo coletivo, na potentia – individual ou
coletiva –, é suficiente para que se possa suspeitar das teorias e práticas
contemporâneas acerca do direito e da democracia. E um autor como Maquiavel –
só recentemente lido no Brasil sem as amarras equivocadas do maquiavelismo,
construído desde a Contrarreforma e descontruído, em parte, sob a aragem do
Esclarecimento, utilizado, no século passado, de modo periférico pela ideologia
fascista –, para quem o problema da grande política é a explicitação do
conflito político, conflito que é natural, pois depende das oscilações dos
humores dos Grandes e do Povo, pode ser de grande valia à teoria do direito.
Explicitado o conflito político de base, segue-se a sua transformação em
instituições e ordenações políticas, capazes prover o cumprimento do bem
público, única meta da ação política e do Estado. Maquiavel não pretende
reformar a sociedade nem o homem, uma vez que o humor dos Grandes pauta-se pelo
desejo de conquistar sempre mais e dominar, e o humor do Povo se move contra o
apetite voraz dos Grandes. E muito mais que isto.
Do mesmo modo, uma
teoria da norma como promessa, unindo os temas da legalidade e da legitimidade,
abre novas portas à compreensão do fenômeno jurídico. É possível um diagnóstico
da crise social, econômica, ambiental, política e jurídica contemporânea à luz
dos conceitos da filosofia política, especialmente quando esses estão, pela
teoria adotada – como é o caso dos autores trabalhados neste verbete –,
imbricados aos respectivos conceitos de direito de cada autor. É certo, como
conclusão mais ampla, que é o caso de compreender o direito à luz da filosofia
política – e das demais áreas das humanidades –, especialmente por meio de
autores que fazem a ponte entre as áreas em suas obras, e, por esta razão,
lançam luz nas crises atuais. A compreensão estrutural dos problemas sociais,
econômicos, ambientais, políticos e jurídicos do período contemporâneo não
serão alcançados apenas com leitura e hermenêutica de textos de lei.
É preciso dar
dignidade política ao direito, para que sua natureza não seja apenas a de
técnica com vistas à decisão, nem mera norma a ser estudada nos tubos de ensaio
da doutrina. Daí a pertinência do enfoque de duas áreas tão fundamentais ao
pensamento (a filosofia política e o direito) com a conjuntiva e. Talvez a
inserção do direito em filosofias políticas realistas, com base na História,
mestra dos homens (Maquiavel), ou na imanência e na potência (Espinosa), ou em
teorias da norma de espectro mais alargado (norma como promessa), possa ser
caminho frutífero no qual a união de áreas do saber resulta em algo além da
mera somatória de campos específicos.
Notas
1 DELEUZE, Gilles. Pourparlers,
p. 166. Tradução: Conversações, pp. 155-156.
2 DELEUZE, Gilles;
GUATTARI, Félix. Qu'est-ce que la
philosophie? Tradução brasileira em: DELEUZE, Gilles; GUATTARI,
Félix. O que é a filosofia?
3 BOBBIO, Norberto;
MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política, v.
1.
4 É famoso o livro de
Antonio Negri, sobre Espinosa, que trata do tema da filosofia espinosana como uma
"anomalia selvagem". Ver: NEGRI, Antonio. L'anomalia selvaggia:
saggio su potere e potenza in Baruch Spinoza. Spinoza. Tradução:
NEGRI, Antonio. A anomalia selvagem: poder e potência em Spinoza. Spinoza.
Afirma Negri: “(...) um verdadeiro escândalo (para o saber ‘racional’ comum do
mundo em que vivemos): é um filósofo do ser que realiza imediatamente uma
reversão total do enraizamento da causalidade na transcendência, colocando uma
causa produtiva imanente, transparente e direta do mundo; um democrata radical
e revolucionário que elimina imediatamente até mesmo a simples possibilidade
abstrata de Estado de direito e de jacobinismo; um analista das paixões que não
as define como padecer, mas como agir histórico, materialista e, portanto,
positivo” (p. 28 da tradução citada).
5 LUHMANN, Niklas. Legitimação
pelo procedimento.
6 KELSEN, Hans. Teoria
pura do direito.
7 KELSEN, Hans. Teoria
pura do direito, p. 44.
8 ANDRADE, Fernando Dias.
Pax spinozana: direito natural e direito justo em Espinosa, especialmente
pp. 14 a 18.
9 DALLARI, Dalmo. O
poder dos juízes, p. 28. Para uma proposta inovadora de ensino do direito e
problematização das existentes, ver: PUGLIESI, Marcio. O ensino do
direito como prática transformadora.
10 Idem, p. 28.
11 MATHERON, Alexandre. Le
pouvoir politique chez Spinoza. La multitude libre: nouvelles lectures
du Traité politique de Spinoza, p. 134.
12 Idem, p. 135.
13 As obras de Espinosa que
serão citadas se encontram na edição crítica de Carl Gebhardt (ESPINOSA. Opera).
As traduções citadas são as seguintes: ESPINOSA. Ética. Trad por
Tomaz Tadeu, 2008. Foi consultada também a tradução do Grupo de Estudos
Espinosanos, da FFLCH USP, indicada nas Referências. A paginação é a desta
edição. Tratado político. Tradução, introdução e notas de Diogo
Pires Aurélio. Tratado Teológico-político. Tradução, introdução e
notas de Diogo Pires Aurélio. Correspondencia. Introducción,
traducción, notas e índices de Atilano Domínguez, 1988. Quando citada a edição
de Gebhardt, usa-se “G” e, após, o volume em romano e a página em arábico. Para
a E e o TP, usar-se-á a seguinte abreviação: para a Ética “E”, seguido da parte
em romano, “D” para definições, “Def af” para definição dos afetos, “A” para
axiomas, “Dem” para demonstrações, “P” para proposições, “Cor” para corolários,
“Ap” para apêndices, “L” para lemas, “Esc” para escólios, “Post” para
postulados, “Explic” para explicações. Um numeral arábico indicará o número de
cada um desses itens. Após, a página em arábico, da edição do Grupo de Estudos
Espinosanos, indicada nas referências. Para o TP, numeral romano indica o
capítulo e numeral arábico indica o parágrafo. Após, a página em arábico. Para
o TTP, numeral romano indica o capítulo. Após, a página em arábico. Para a
Correspondência, Ep. E página em arábico, da edição de Atilano Dominguez,
citada nas Referências. Essa forma de citação facilita a consulta a qualquer
edição das obras de Espinosa.
14 AURÉLIO, Diogo
Pires. Imaginação e poder: estudo sobre a filosofia política de
Espinosa. Afirma o comentador: “A multidão é um termo charneira
[dobradiça], onde se articulam, por um lado, a multiplicidade de desejos ou
receios, por outro, a potência comum que se afirma em resultado da sua
insustentável dispersão” (p. 275).
15 Espinosa usa o
termo imperium, e quando trata de Estado, especificamente, usa
ou civitas ou res publica. Usa-se neste verbete
Estado para traduzir imperium (acompanhando a tradução de
Diogo Pires Aurélio, citada nas referências bibliográficas), mas tendo em mente
esta ressalva, que muda o conceito, como se verá no decorrer do texto.
16 ANDRADE, Fernando Dias.
Pax spinozana: direito natural e direito justo em Espinosa,
especialmente p. 22.
17 SAMPAIO FERRAZ JR.,
Tércio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação (item
1.5).
18 Cita-se o Leviatã,
de Hobbes, com romano para Parte, e arábico para capítulo. A página é da edição
brasileira, cotejada com a edição inglesa. Assim, facilita-se a consulta a
qualquer edição. Para este verbete, consultou-se: HOBBES. Leviatã.
Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, 1997; Leviathan.
J.C. A Gaskin (ed.), 1998.
19 Para aprofundamento do
tema da construção afetiva da política em Espinosa, consultar: MONTANS BRAGA,
Luiz Carlos. Trama afetiva da política: uma leitura da filosofia de
Espinosa.
20 Para o tema da ontologia
espinosana, e de como ela importa para a definição dos conceitos da filosofia
política do autor, ver: CHAUI, Marilena. A nervura do real, vol.
I.; Política em Espinosa.
21 Para o conceito de
substância, ver: CHAUI, Marilena. A nervura do real, v. I. Para os
fins deste verbete, basta compreender que substância, para o autor, é o mesmo
que natureza imanente (ou o mesmo que Deus): é única, nada há fora dela e tudo
o que há é expressão da potência da e na substância.
22 SAMPAIO FERRAZ JR.,
Tércio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação,
p. 49. Apenas recapitulando: dupla abstração na medida que o direito é
identificado às normas postas pelo Estado – primeiro grau de abstração – e às
regras para interpretação destas normas – segundo grau de abstração. A
consequência desta dupla abstração é a distância, cada vez maior, entre direito
e realidade social. No que se refere à distância entre realidade social e
direito, muito abrangentes e instigantes, bem como esclarecedoras, são as
análises de José Eduardo Faria em suas obras. Que o leitor se remeta às
seguintes obras do autor: FARIA, José Eduardo. O direito na economia
globalizada. FARIA, José Eduardo; KUNTZ, Rolf Nelson. Qual o futuro
dos direitos?
23 MATHERON, Alexandre. Pax
spinozana: direito natural e direito justo em Espinosa, p. 134.
24 Conferir: NEGRI, Antonio.
O poder constituinte: ensaio sobra as alternativas da modernidade, p. 32. BOVE,
Laurent. Introduction. Traité politique, pp. 09-101.
25 Para comentários acerca
da posição de Coluccio Salutati, Leonardo Bruni e Lorenzo Valla acerca da lei e
do direito, conferir “Leyes, Derecho e Historia en las discusiones de los
siglos XV e XVI”, em La revolucion cultural do Renascimiento, de
Eugenio Garin, pp. 237-242.
26 Segundo Garin, ecos da
quentura da discussão acerca do direito e das leis ressoaram em carta de Cantiuncula
(Claudio Chansonette) escrita a Cornélio Agrippa, de Basiléia, em 1518, com o
propósito de posicionar-se com o fim de “perfeccionar y corregir sus
estudios en disciplinas juridicas... sin las cuales el estudio del derecho le
parece mutilado e insuficiente” (GARIN, Eugenio. La revolución
cultural do Renascimiento, p. 221). Em verdade, a carta mostra “una
necessaria armonización entre estudios juridicos y cultura literaria” (Idem,
p. 221). Agrippa observara que “el derecho arroga una especie de supremacia
sobre todos las ciencias. No obstante, como solo examinar la tradición jurídica
se captan de imediato las contradicciones que culminan en el conflito
permanente entre leyes y justicia” (Idem, p. 223).
27 Idem, pp.
217-242.
28 “Petrarca a modo de
punto de referencia, lo primero que nos sorpreende de su obra es el impulso
dado a primera gran polémica sobre los estudios juridicos, destinada a
prolongarse a lo largo de todo el siglo XV. Nos estamos referiendo a la
contenda desatada en torno a la relación entre los estudios de medicina y los
estudios de moral y de derecho, donde ressurge, aunque esta vez con tonos
originales, el antigo paralelismo, de timbre platónico, entre justicia (y
leyes) naturales y justicia (y leyes) civiles” (Idem, p. 231).
29 Em História de Florença,
Maquiavel detalha e analisa a luta política em vista dos ditames republicanos,
postos à prova pelo tumulto dos Ciompi, a mostrar a fragilidade das
instituições e ordenações políticas florentinas. A propósito, conferir “10. O
Tumulto dos Ciompi”; “11.Guicciardini em vão faz diversas concessões aos
sublevados” (como registro de passagem, Luigi Guicciardini, ancestral de
Francesco Guicciardini, era o gonfalonieiro ao momento da revolta dos Ciompi);
“12. As causas da rebelião”; “13. Um discurso de incitação à revolta” (o
discurso traz o pronunciamento de um operário fictício, com lucidez de classe
analisa a situação político-social dos trabalhadores); “14. Os Ciompi
incendeiam as casas dos mesmos que nomeiam cavaleiros. As desordens continuam”;
15. “Inutilmente os Senhores aceitam exigências gravosas e desonrosas. O
palácio em mãos da plebe”; 16. O cardador Miguel de Lando, gonfalonieiro”; “17.
A plebe se rebela contra Lando que a supera em ânimo, prudência e bondade”; “18.
Tria e Baroccio, do povo miúdo, excluídos da Senhoria”; “19. Piero degli
Albizzi executado”; “20. Scali é decapitado e Strozzi obrigado a fugir”; “21.
Novo ordenamento da Senhoria desfavorece a plebe”; “22. Confinados Miguel de
Lando, notáveis e chefes plebeus. Os florentinos compram Arezzo”; “23.
Confinados Miguel de Lando, notáveis e chefes plebeus. Os florentinos compram
Arezzo”; “24. Outros repreendidos e confinados”, In MAQUIAVEL, N., História
de Florença, pp. 154-176. Ver também GARIN, Eugenio et al. Il
tumulto dei ciompi: un momento di storia Fiorentina ed Europe.
30 GUICCIARDINI, Francesco.
Considerazioni intorno ai Discorsi del Machiavelli. AntiMachiavelli,
pp. 35-96.
31 BORNHEIM, Gerd. O
sujeito e a norma. Ética, pp. 248 ss.
32 MAQUIAVEL, N. Discursos
sobre a primeira década de Tito Lívio.
33 Conferir TITO
LIVIO. Storia di Roma. Ab urbe condita libri.
34 A propósito das disputas
entre os Grandes e a Plebe, ver LEFORT, C. Le travail de l’ouevre
Machiavel, pp. 473-477.
35 Ver BIGNOTTO, Newton. Maquiavel
republicano, p. 87. Ver também LEFORT, C. Le Travail d’ouevre
Machiavel, pp. 386 e 477.
36 MAQUIAVEL, N. O
príncipe. Escritos políticos (Coleção “Os Pensadores”).
37 Conferir “Parte Seconda:
Modelli Naturalistico-Medicali nella ‘Rivoluzione Scientifica’ dello Studi
della Politica ad Opera di Machiavelli”, em ZANZI, Luigi. Il metodo del
Machiavelli, pp. 331-500.
38 Exemplificando a tensão
entre os umori, desde a concepção hipocrática e galênica, pode ser
conferida em O Príncipe, Caps. IX e XIX; Discorsi, I, 4 e 5 e História
de Florença, II, 12; III, 1 e IV, 1. Um exemplo pontual pode ser lido em “A
semente dos humores guelfos e gibelinos”. História de Florença,
Livro I, 15, pp. 54-55. Ver também considerações acerca dos “humores agitados”
e “aquietou esses humores”, Idem, Livro IV, p. 201.
39 “Pragmático” no sentido
conferido por Políbios à história escrita por ele. A tradução para o Português
contém o uso do termo “pragmática”, nas passagens de POLÌBIOS. História,
Livro I, 1, “minha história pragmática”, p. 41; Livro I, 35, ‘História
pragmática”, p. 70; Livro IX, 1, “história pragmática”, p. 373. A
propósito, conferir a tradução para o Francês, Livro I, 35, de POLYBE. Histoire,
p. 108, em que consta a expressão “l’histoire ‘pragmatique’”. No Livro IX, 1.6,
ao invés do termo “pragmatique”, a expressão empregada - na tradução francesa -
é “histoire politique”, Idem, p. 664. É consensual que a concepção de história
polibiana tem caráter pragmático. Como registrado: “a própria singularidade dos
eventos escolhidos (da História de Roma) por mim para meu tema será suficiente
para desafiar e incitar a totalidade dos leitores, sejam eles jovens ou idosos,
a conhecer a minha história pragmática” (POLÌBIOS, História, p.
41).
40 Acerca da expressão
“antropologia política”, conferir Deuxième Partie, “L’anthropologie
politique”. Machiavel l’antropologie politique, pp. 241-337.
41 VALVERDE, Antonio José
Romero. Maquiavel: a natureza humana e o reino deste mundo. Natureza
humana em movimento: ensaios de antropologia filosófica, p. 51.
42 BIGNOTTO, Newton. Maquiavel
republicano, p. 83.
43 Acerca do Centauro
Quíron, educador de Aquiles, Dante Alighieri escreveu: “Lo mio maestro
disse: ‘La risposta / farem noi a Chirón costa di presso: / mal fu la voglia
tua sempre sí tosta’. / Poi mi tentò, e disse: ‘Quell’ è Nesso, / che morí per
la bela Deianira, / e fé di sé la vendeta elli stesso. / E quel di mezzo, ch’al
petto si mira, / è il gran Chirón, il qual nodrí Achille;” ALIGHIERI, Dante.
Divina Commedia / Inferno, Canto XII, 64-71. Tutte le opere, p. 100. Ver também
“La figura del ‘doppio’ nell’immagine machiavelliana del Centauro”, em
ESPOSITO, R. Ordine e conflito: Machiavelli e la letteratura política del
Rinascimento italiano, pp. 13-39.
44 SEARLE, John R. Os
actos de fala: um ensaio de filosofia da linguagem.
45 SOUSA SANTOS, Boaventura. Law: A map of misreading. Toward a
postmodern conception of Law. Journal of law and society, v. 14, nº 3, p. 293. O autor
afirmou, em tradução livre: “Vivemos num tempo de realidade porosa, ou de
porosidade jurídica de uma rede múltipla de ordens jurídicas que nos forçam a
constantes transições e passagens. A nossa vida jurídica constitui-se pela
intersecção de várias ordens jurídicas, isto é, pela interlegalidade. A
interlegalidade é a contrapartida fenomenológica do pluralismo jurídico, e
assim o segundo conceito-chave de uma concepção pós-moderna do direito.
Reflete um processo altamente dinâmico, visto que os diferentes espaços
jurídicos são não-sincrônicos, advindo daí mistura desigual e instável dos
códigos jurídicos”.
46 Noção próxima daquela de
ideologia em suas múltiplas acepções - a respeito: ECCCLESHAL, Robert et alii.
Political ideologies: an introduction.
47 PUGLIESI, Márcio. Teoria
do direito, p. 45 e seguintes.
48 Em particular, vejam-se:
MOSCOVICI, Serge. A representação social da psicanálise e
JODELET, Denise (org.). As representações sociais e, ainda
JUNQUEIRA DE AGUIAR, Wanda Maria et al. Reflexões sobre sentido e
significado. A dimensão subjetiva da realidade: uma leitura
sócio-histórica, Ana Mercês Bahia Bock e Maria da Graça Marchina Gonçalves
(orgs.), pp. 54-72 e, das organizadoras da obra, A dimensão subjetiva dos fatos
sociais, pp. 116-157 – para efeito de uma abordagem da psicologia social.
49 Que definem um “quem
manda” nas relações de longo prazo. Pense-se, por exemplo, naquelas familiais.
50 Como, por exemplo,
normas preexistentes (legais ou consuetudinárias); hábitos sociais arraigados;
conjuntura econômica etc.
51 Conjunto de ações
visando uma utilidade. A respeito, conveniente a leitura de MULGAN, Tim. Utilitarismo –
para uma busca de compreensão das diversas vertentes do utilitarismo.
52 O lugar da ação.
53 Conjunto de atos de
vontade (escolhas) direcionados a utilidades.
54 SILVA RAMOS, Péricles
Eugênio da (org.). Poesia grega e latina, p. 126.
55 PUGLIESI, Márcio. Teoria
do direito: aspectos macrossistêmicos.
56 Assim, por exemplo, a
produção do texto de uma peça teatral será um projeto (aquilo que se lança à
frente) que se tornará objeto mediante a montagem dessa peça. Quando se vai a
um museu vê-se objetos e não o projeto – logo se tem acesso a uma visão
restrita de uma civilização e, nunca, a de uma cultura.
57 Assinale-se por exemplo,
que durante o período de maior paz interna em Roma, naquele período que se
situa entre a tirania patrícia e a insurgência dos Gracos, a organização do
poder funciona pela reunião das três formas de base: os cônsules operam segundo
o regime monárquico; o Senado pelo aristocrático e os comícios e tribunos
conforme aquele democrático. Ao final do período, já no tribunato dos Gracos –
denunciava-se a atitude de o Senado alterar as normas para manter o poder. Essa
flagrante ilegitimidade levou a revoltas demoradas e profundas causadoras da
centralização do poder nas mãos dos optimates. A respeito vejam-se: PAIS,
Ettore. Storia dell’Italia antica, v. I e II; Storia
critica di Roma durante i primi cinque secoli. E também: MOMMSEN,
Theodor. O mundo de los Césares.
58 Veja-se o texto de
CLOCHÉ, Paul. Remarques sur la prétendue Constitution de Dracon. Revue
des études anciennes, v. 42, nº 1, pp. 64-73. Aristóteles, em seu
Constitution des Athéniens (ARISTOTE. Œuvres complètes, pp.
2537-2595), traz importantes referências para dar suporte a esta conjetura, em
particular nos capítulos 4-12 e 29- 31.
59 Mesmas referências da
nota acima.
60 Vejam-se, por exemplo,
FRAZER, James George, Sir. The golden bough; MORGAN, Lewis Henry. A conjectural solution of the origin of
the classificatory system of relationship; FALLERS, Lloyd A. The social
anthropology of nation-state; ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do
Estado; WEBER, Max. Economía y sociedad: esbozo de sociología
compreensiva.
61 O poder, no campo da
cultura, busca por intermédio do Governo, no campo da civilidade, dividir,
desencorajar coalizações e dissociá-las sempre que formadas, operando por
concessões, autorizações e benefícios assemelhados que, antes de socializar o
poder, favorecem a sua concentração. Nota-se que a economia privada recebe dos
poderes públicos as condições prévias para seu crescimento, por exemplo: a
formação básica da mão de obra; a confiança na ordem econômica e social; o
monopólio da violência e da administração de justiça; a cultura e, em
particular, a organização civilizacional. E, mais diretamente, nas economias
contemporâneas, mais de metade dos recursos postos em circulação, como
investimento, advém do Governo. Ademais, em qualquer sistema econômico
contemporâneo, a minoria persiste decidindo o que fará a maioria (PUGLIESI,
Márcio. Teoria do direito, pp. 78-79).
62 DUCOS, Michele. Roma
e o direito.
63 LUHMANN, Niklas. Legitimação
pelo procedimento.
64 Para além dos requisitos
jurídicos para a legitimidade (formal/material) de uma norma – validade,
justiça e eficácia –, pensa-se aqui em legitimidade política que supõe sejam as
normas aceitas e cumpridas com o mínimo de coerção do aparato de estado. Isto
é, não basta a legitimidade formal relacionada com o procedimento dos órgãos
estatais em conformidade com o estabelecido pelo sistema normativo, mas - e
principalmente - aprovação popular às normas existentes por sua conformidade
com o projeto da sociedade (cultura) e com a atuação governamental parra sua
aplicação/concretização (civilização).
Tercio Sampaio
Ferraz Junior (2012, item 4.1), por outra via, afirmou: “Vivendo numa sociedade
juridicamente organizada, o jurista sabe que há critérios gerais, direitos
comuns, configurados em normas chamadas leis, estabelecidas conforme a
constituição do país. Nesse contexto, ele invoca um primeiro princípio geral
para iniciar seu raciocínio: o princípio da legalidade. Ninguém está obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Ele pode ter
dúvidas quanto à legitimidade da ordem jurídica em que vive. Pode, por exemplo,
segundo um juízo subjetivo, considerar aquela ordem como autoritária,
antidemocrática. Para seus objetivos, porém, é preciso encontrar um ponto
inegável de partida, que possa ser generalizado. Atém-se, pois, ao princípio. E
busca nas leis do país uma regra que lhe seja conveniente”. E aqui o
autor se refere às questões de validade e eficácia – no item 7.2 (2012, item
7.2) volta-se ao problema da justiça: “Em suma, se a legitimidade repousa
puramente num sentimento, subjetivo e irracional, ou se existe uma estrutura
universal e racional que legitime o direito ou nos faça reconhecê-lo como
ilegítimo. Enquanto se pode postular como certo que as normas jurídicas são
regras que de alguma forma se adaptam às mudanças sociais, posto que podem
deixar de valer ao serem revogadas, conforme o interesse da decidibilidade dos
conflitos, o que se procura é uma espécie de estrutura de resistência à
mudança, que assegure à experiência jurídica um sentido persistente. Desde a
Antiguidade, foi na ideia de justiça que se buscou essa estrutura”. Essa
abordagem tem seus benefícios, mas, prefere-se aceitar aquela de que a
legitimidade se vincula à correlação de fatores de ordem política e que defluem
da busca concentrada e persistente de realizar os projetos da sociedade nos
limites da legalidade (que pode ser elastecida – por efeito de ativismo
judicial; por novas disposições normativas (algumas ao arrepio da lei por
instâncias administrativas etc.).
65 Basta ver a grande
quantidade de Ações Diretas de Inconstitucionalidade para normas municipais,
estaduais e federais que não prosperam nos tribunais.
66 AGAMBEN, Giorgio. O
mistério do mal, pp. 10-11.
67 WEBER, Max. A
ética protestante e o espírito do capitalismo, pp. 130-131.
68 Consulte-se, por
exemplo, GOMBI BORGES DOS SANTOS, Sílvia. Em busca de um lugar no
mundo: o conceito de violência em Hannah Arendt.
69 Ver WHITE, Stephen
K. Razão, justiça e modernidade: a obra recente de Jürgen Habermas.
70 WALZER, Michael. Thick and thin: moral argument at home
and abroad, p. 42. Em tradução livre:
“A necessidade de auto justificação tem, sem dúvida, algumas razões; podemos
apresentar tanto relatos cínicos quanto simpáticos disto. O que fez os faraós
do antigo Egito, por exemplo, ou os reis da Babilônia e Assíria, em suas
primeiríssimas inscrições, proclamar seu propósito de realizar justiça, os
pobres com sustento, viúvas e órfãos protegidos? Foi devido ao pensamento de
que seu poder seria mais seguro se seus súditos acreditassem em promessa (commitment)?
Ou porque sua autoestima dependia de se sentirem comprometidos? Ou porque os
rituais de promessa (e suas inscrições) eram exigidos por deuses? Ou, porque
isso foi que os governantes (rulers) dos estados sempre disseram sobre
si mesmos? (Mas, por que disseram isso?) Isso não importa. Se o faraó promete
que quer seja feita a justiça, então se abre o caminho para que algum escriba
egípcio adquira coragem e escreva um catálogo das injustiças que o faraó, efetivamente,
consente”.
71 Para ter em conta
posições como as de RIBEIRO, Darcy. O processo civilizatório: etapas de
evolução sociocultural e, mesmo as de ELIAS, Norbert. O
processo civilizacional: investigações sociogenéticas e psicogenéticas, 1º
vol. (Transformações do comportamento das camadas superiores seculares do
ocidente). E ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Formação do
Estado e civilização, v. 2 – com as quais se concorda parcialmente conforme
se pode ver em Pugliesi (2015).
72 ARENDT, Hannah. A
condição humana, p. 289.
73 Idem, p. 304.
74 ARENDT, Hannah. A
condição humana, p. 198.
75 De primus + capere –
aquilo que deve ser tomado primeiro, o que vem antes.
76 PUGLIESI, Márcio. Teoria
do direito: aspectos macrossistêmicos – para efeito de discussão dos
conceitos de cultura e civilização.
77 A palavra programa advém
do grego programma que deriva do verbo prografo –
escrever antes. Na Grécia constituía a ordem do dia, a agenda – que é o
gerundivo de agere – levar adiante, executar o que deve ser
feito, agir.
78 O conjunto formado pela doxa,
representações sociais e epistême constitui a atmosfera semântico-pragmática
individual, ou seja, o sujeito. Inclui-se nas representações sociais a
linguagem, aqui entendida como subconjunto próprio da língua, i.e., a porção
individualmente adquirida e construída da língua por dada atmosfera
semântico-pragmática.
79 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Considerações
sobre o governo da Polônia e sua reforma projetada.
80 ROUSSEAU,
Jean-Jacques. Do contrato social.
81 MONTESQUIEU, Charles
Louis de Secondat et Barón de La Brède et. Considération sur les causes
de la grandeur des Romains et de leur décadence.
82 MARAT, Jean-Paul. Plan de legislation criminelle, p.
35. Em tradução livre:
“O que se chama por esse nome (as leis) senão as ordens de um senhor soberbo.
Seu império é apenas surda tirania exercida pela minoria contra multidão. (...)
Que importa, afinal, por quem as leis são feitas desde que sejam justas; e que
importa quem as aplique, desde que as faça observar. (...). Pereçam, então,
enfim, essas leis arbitrárias feitas para a felicidade de alguns indivíduos e
em prejuízo do gênero humano e pereçam, também, essas distinções odiosas que
tornam certas classes do povo inimigas das outras, que fazem com que a multidão
deva se afligir com a felicidade da minoria e que a minoria deva temer a
felicidade da multidão!”
83 MARAT, Jean-Paul. Chaînes
de l’esclavage, pp. 58-59, em tradução livre: “é à violência que os estados
devem sua origem; quase sempre algum feliz aventureiro é o seu fundador e quase
em toda parte as leis foram, tão só, em suas origens, apenas regras de polícia,
próprias para garantir para cada um a tranquila fruição de suas rapinas”.
84 Pensa-se aqui, a partir
de DELMAS-MARTY, Mireille. Os grandes sistemas de política criminal.
85 Veja-se o caso de
recente releitura e reinterpretação do Supremo Tribunal Federal que
descaracterizou o texto do artigo 5º, inciso LVII, in verbis:
“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória - sob o véu de uma reconsideração. Isso será sempre inadmissível
comportando no ativismo judiciário, neste caso, uma claríssima tentativa de
legislar, em nível constitucional, para atender a questões de política. Isso
fere promessa de base do sistema”.
86 Entende-se a justiça
tribunalícia como aquela em que as partes em litígio – embora possam recorrer
da decisão – preferem acatar a decisão da instância.
87 Quanto à crise ética
gerada por uma cultura narcísica e apolítica, que o leitor se reporte ao
seguinte ensaio: COSTA, Jurandir Freire. A ética e o espelho da cultura.
Principalmente a Introdução.
88 Usa-se o termo
transnacional para designar uma certa maneira de organização das corporações
empresariais no plano internacional. O termo multinacional já não dá mais conta
do fenômeno. De fato, pode-se entender por multinacional uma empresa que se
estabelece em múltiplos Estados. Por exemplo, sua manufatura se estabelece em
países cuja mão-de-obra é mais barata, enquanto seus diretores se estabelecem
em países que dão formação intelectual mais sólida a seus cidadãos.
O que ocorre com a
empresa transnacional é algo mais dinâmico. A mudança de localidade de seus
vários setores se dá de tal modo que, a rigor, é mais preciso que sua natureza
seja designada como transnacional, isto é, o empreendimento se torna de tal
modo dinâmico que as várias seções da empresa mudam de acordo com variáveis
cada vez mais complexas e em maior número. Por exemplo, a seção de manufatura
de uma empresa transnacional pode ir de país a país em busca, sempre, da
mão-de-obra mais barata para que seu produto seja mais competitivo na economia
globalizada. Em uma palavra: o termo transnacional talvez explicite uma
dinâmica mais próxima da realidade das empresas internacionais que o termo
multinacional, o qual representa uma ideia mais estática.
89 Pode-se entender por
violência imediata o conjunto das práticas coibidas pelos institutos de direito
penal, como roubo, furto, latrocínio, etc. Pode-se entender por violência
estrutural ou mediata condições históricas e muitas vezes institucionalizadas
que impossibilitam uma prática cidadã. Por exemplo, a impossibilidade, a todos
os cidadãos, de um mínimo cultural crítico para o exercício da ação ética, bem
como um mínimo material, para a manutenção da dignidade.
90 Exemplos são abundantes,
e vêm de órgãos como Receita Federal, Ministério do Trabalho, Banco Central,
Secretarias Estaduais e Municipais de Fazenda, etc. Tais instituições, a
pretexto de regulamentar, deformam e esvaziam as leis que deveriam ser objeto
dos regulamentos. Além disso, ferem mortalmente o conceito de representação.
Referências
ADVERSE, Helton.
Maquiavel, a república e o desejo de liberdade. Trans/form/ação, nº
30 (2). São Paulo, 2007, pp. 33-52.
AGAMBEN,
Giorgio. O mistério do mal. Trad. por Silvana de Gaspari e
Patrícia Peterle. São Paulo/Florianópolis: Boitemp/EdUFSC, 2015.
ALIGHIERI,
D. Tutte le opere, a cura di Giovanni Fallani. Roma: Newton,
1993.
ANDRADE, Fernando
Dias. Pax spinozana: direito natural e direito justo em Espinosa. Tese
apresentada ao Departamento de Filosofia da FFLCH-USP. São Paulo: 2001.
ARENDT,
Hannah. A promessa da política. Trad. por Pedro Jörgensen Jr.
Jerome Kohn (org. e introdução). 2. ed.. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.
__________________. A
condição humana. Trad. por Roberto Raposo. Rev. téc. Adriano Correia.
Introdução por Celso Lafer. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2010.
__________________. A
vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Trad. por Antônio
Abranches, Cesar Augusto R. de Almeida e Helena Martins. Rev. Téc. Antônio
Abranches. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/edUFRJ, 1992.
ARISTOTE.
Constitution des Athéniens. Œuvres completes. Pierre Pellegrin (dir.).
Paris: Flammarion, 2014, pp. 2537-2595.
AURÉLIO, Diogo
Pires. Imaginação e poder: estudo sobre a filosofia política de
Espinosa. Lisboa: Colibri, 2000.
BECCARIA, Cesare
Bonesana. Do delito e das penas. Trad. por José Cretella Jr. e
Agnes Cretella. 2. ed. rev., 2. tir. São Paulo: RT, 1999.
BIGNOTTO,
Newton. Maquiavel republicano. São Paulo: Loyola, 1992.
BOBBIO, Norberto;
MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 5.
ed. Brasília: Editora UNB, 2000. Volume 1.
BOCK, Ana Mercês
Bahia; GONÇALVES, Maria da Graça Marchina. A dimensão subjetiva dos fatos
sociais. A dimensão subjetiva da realidade: uma leitura sócio-histórica.
Ana Mercês Bahia Bock e Maria da Graça Marchina Gonçalves (orgs.). São Paulo:
Cortez, 2009.
BORNHEIM, Gerd. O
sujeito e a norma. Ética. Adauto Novaes (org.). São Paulo: Cia. das
Letras: Secretaria Municipal da Cultura, 1992, pp. 247-260.
BOVE, Laurent.
Introduction. Traité Politique. Spinoza. Trad. por d’Émile Saisset.
Rev. Laurent Bove. Introdução e notas
por Laurent Bove. Paris: Librairie Général Française, 2002, pp. 09-101.
CHAUI,
Marilena. Política em Espinosa. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.
__________________. A
nervura do real. São Paulo: Cia. das Letras, 1999. Volume 1.
CLOCHÉ, Paul.
Remarques sur la prétendue “Constitution de Dracon”. Revue des études
anciennes, v. 42, nº 1, 1940, pp. 64-73.
COSTA, Jurandir
Freire. A ética e o espelho da cultura. Rio de Janeiro: Rocco,
2000.
DALLARI, Dalmo. O
poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996.
DELEUZE,
Gilles. Espinosa: filosofia prática. Trad. por Daniel Lins e Fabien
Pascal Lins. São Paulo: Escuta, 2002.
DELEUZE, Gilles;
GUATTARI, Félix. Qu'est-ce que la philosophie? Paris: Minuit,
1991.
__________________;
__________________. O que é a filosofia? Rio de Janeiro:
Editora 34, 2007.
DUCOS,
Michele. Roma e o direito. Trad. por Silvia Sarzana e Márcio
Pugliesi Netto. São Paulo: Madras, 2007.
DUEK MARQUES,
Oswaldo Henrique. Fundamentos da pena. São Paulo: Martins Fontes,
2008.
ECCCLESHAL, Robert
et al. Political ideologies: an
introduction. 2. ed., London/New York: Routledge, 1994.
ELIAS,
Norbert. O processo civilizacional: investigações sociogenéticas e
psicogenéticas. Trad. por Lídia Campos Rodrigues. Lisboa: Dom Quixote,
1989. 1º Volume: Transformações do comportamento das camadas superiores
seculares do ocidente.
__________________. O
processo civilizador. Formação do Estado e civilização. Trad. por Ruy
Jungmann. apr. e rev. Renato Janine Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
Volume 2.
ENGELS,
Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado.
Trad. por Leandro Konder, Rio de Janeiro: Vitória, 1964.
ESPINOSA. Opera.
Carl Gebhardt (ed.). Heidelberg: Carl Winter, 1972 (1ª ed. 1925). 4 Volumes.
__________________. Ética.
Trad. por Tomaz Tadeu. Edição bilíngue (Latim-Português). Belo Horizonte:
Autêntica, 2008.
__________________. Ética.
Trad. por Grupo de Estudos Espinosanos da FFLCH USP. São Paulo: Edusp, 2015.
__________________. Tratado
político. Trad., introd. e notas por Diogo Pires Aurélio. Rev. Homero
Santiago. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
__________________. Traité
politique. Trad. por d’Émile Saisset. Rev. Laurent Bove. Introdução e notas
de Laurent Bove. Paris: Livrairie Général Française, 2002.
__________________. Tratado
teológico-político. Trad., introd. e notas por Diogo Pires Aurélio. São
Paulo: Martins Fontes, 2003.
__________________. Correspondencia.
Introd., trad., notas e índices de Atilano Domínguez. Madrid: Aliança
editorial, 1988.
__________________. Correspondência [edição
parcial da Correspondência]. Trad. por Marilena de Souza Chaui. São
Paulo: Abril Cultural, 1973.
ESPOSITO, R. Ordine
e conflito: Machiavelli e la letteratura política del Rinascimento italiano.
Napoli: Liguori, 1984.
FARIA, José
Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros,
1999.
FARIA, José
Eduardo; KUNTZ, Rolf Nelson. Qual o futuro dos direitos? São
Paulo: Max Limonad, 2002.
GARIN,
Eugenio. La revolución cultural do Renascimiento. Trad. por Domènec
Bergadà. 2. ed. Barcelona: Editorial Crítica, 1984. Disponível em: <https://pt.scribd.com/doc/315377278/GARIN-Eugenio-La-Revolucion-Cultural-Del-Renacimiento#>.
Acesso em 23.04.2017.
GARIN, Eugenio et
al. Il tumulto dei ciompi: un momento di storia Fiorentina ed Europe.
Firenze: Leo S. Olschki, 1981.
GOMBI BORGES DOS
SANTOS, Sílvia. Em busca de um lugar no mundo: o conceito de violência em
Hannah Arendt. São Paulo: Perspectiva, 2011.
GUICCIARDINI,
Francesco. Considerazioni intorno ai discorsi del Machiavelli. AntiMachiavelli.
Francesco Guicciardini. A cura di Gian Franco Berardi. Roma: Riuniti: Maggio,
1984, pp. 35-96.
GUILLEMAIN,
B. Machiavel l’antropologie politique. Genève: Libraire Droz, 1977.
HOBBES. Leviatã.
Trad por. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril
Cultural, 1997.
__________________. Leviathan.
J.C. A Gaskin (ed.). Oxfordshire: Oxford University
Press, 1998.
LEFORT, Claude. Le travail de l’oeuvre
Machiavel. Paris:
Gallimard, 1986.
KELSEN, Hans. Teoria
pura do direito. Trad. por João Baptista Machado. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
JODELET, Denise
(org.). As representações sociais. Trad. por Lilian Ulup. Rio de
Janeiro: EDUERJ, 2001.
JUNQUEIRA DE
AGUIAR, Wanda Maria et al. Reflexões sobre sentido e significado. A
dimensão subjetiva da realidade: uma leitura sócio-histórica. Ana Mercês
Bahia Bock eMaria da Graça Marchina Gonçalves (orgs.) São Paulo: Cortez, 2009.
LUHMANN, Niklas. Legitimação
pelo procedimento. Trad. por Maria da Conceição Corte Real. Brasília: UnB,
1980.
MAQUIAVEL,
N. Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
__________________. História
de Florença. Trad. por Nelson Canabarro, 2ª edição. São Paulo: Musa, 1998.
__________________. O
príncipe. Escritos políticos. Trad. por Lívio Xavier. 2. ed., São Paulo,
Abril Cultural, 1979 (Coleção “Os Pensadores”).
MATHERON,
Alexandre. Le pouvoir politique chez Spinoza. La multitude libre:
nouvelles lectures du Traité politique de Spinoza. Paris:
Éditions Amsterdan, 2008.
MOMMSEN, Theodor.
O mundo de los Césares. 2. ed., Trad. e prólogo de Wenceslao
Roces. México/DF: Fondo de Cultura Económica, 2006.
MONTANS BRAGA,
Luiz Carlos. Trama afetiva da política: uma leitura da filosofia de
Espinosa. Curitiba: Prismas, 2016.
MONTESQUIEU,
Charles Louis de Secondat, Baron de La Bréde et. Considération sur les
causes de la grandeur des Romains et de leur décadence. Paris : Garnier-Flammarion, 1968.
MORGAN, Lewis Henry. A
conjectural solution of the origin of the classificatory system of relationship.
Cambridge: Welch
& Bigelow & Co., 1868.
MOSCOVICI,
Serge. A representação social da psicanálise. Trad. por Álvaro
Cabral. Rio de Janeiro: Zahar. 1978.
MULGAN, Tim. Utilitarismo.
Trad. por Fábio Creder. Petrópolis: Vozes, 2013.
NEGRI, Antonio.
L'anomalia selvaggia: saggio su potere e potenza in Baruch Spinoza. Spinoza.
A. Negri. Roma: Derive Approdi, 2006.
__________________. O
poder constituinte: ensaio sobra as alternativas da modernidade. 2. ed.
Trad. por Adriano Pilatti. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015.
PAIS,
Ettore. Storia dell’Italia antica. Roma: Optima, 1925-1927. Volumes
I e II.
__________________. Storia
critica di Roma durante i primi cinque secoli. Roma: Optima, 1913-1920. 5
Volumes.
POLÍBIOS. História.
Trad. por Mário da Gama Kury. 2. ed. Brasília: UnB, 1996.
POLYBE. Histoire.
Trad. por Denis Roussel. Paris: Gallimard, 2003.
PUGLIESI,
Márcio. O ensino do direito como prática transformadora. Tese de
doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: currículo - PUCSP.
São Paulo, 2011.
__________________. Teoria
do direito. São Paulo: Saraiva, 2009.
__________________. Teoria
do direito: aspectos macrossistêmicos. Rio de Janeiro/Seattle: Sapere
Aude/Amazon, 2015.
RIBEIRO,
Darcy. O processo civilizatório: etapas de evolução sociocultural.
São Paulo: Cia. das Letras, 2005.
ROUSSEAU,
Jean-Jacques. Considerações sobre o governo da Polônia e sua reforma
projetada. Trad., apres. e notas por Luiz Roberto Salinas Fortes. São
Paulo: Brasiliense, 1982.
__________________. Do
contrato social. 12. ed. Trad. por Edson Bini e Márcio Pugliesi, São Paulo:
Hemus, 1985.
SAMPAIO FERRAZ
JR., Tércio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
SEARLE, John
R. Os actos de fala: um ensaio de filosofia da linguagem. Trad. por
Carlos Vogt et al. Coimbra: Almedina, 1981.
SILVA RAMOS,
Péricles Eugênio da (org.) Poesia grega e latina. São Paulo:
Cultrix, 1964.
TITO LIVIO. Storia
di Roma. Ab urbe condita libri. Trad. por Mario Scándola. 9. ed. Milano:
Rizzoli, 1997. 4 Volumes.
VALVERDE, Antonio
José Romera. Maquiavel: a natureza humana e o reino deste mundo. Natureza
humana em movimento: ensaios de antropologia filosófica. E. Falabrett, A.
Sganzerla e A. J. R. Valverde (org.). São Paulo: Paulus, 2012.
ZANZI,
Luigi. Il metodo del Machiavelli. Bologna: Il Mulino, 2013.
WALZER, Michael. Thick
and thin: moral argument at home and abroad. Notre Dame: Notre Dame, 1994.
WEBER, Max. Economía
y sociedad: esbozo de sociología comprehensiva. 2. ed. 7. reimp. Johannes
Winckelmann (ed.). Trad. por José Medina Echavarría et al. México, DF: Fondo de
Cultura Económica, 1984.
__________________. A
ética protestante e o espírito do capitalismo. 5. ed. Trad. por Tamás
J. M. K. Szmrecsány, São Paulo: Pioneira, 1987.
Citação
VALVERDE, Antonio
José Romera, BRAGA, Luiz Carlos Montans, PUGLIESI, Márcio. Filosofia política e
direito. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de
Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia
do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz
Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/136/edicao-1/filosofia-politica-e-direito
Edições
Tomo Teoria Geral
e Filosofia do Direito, Edição 1, Maio de
2017
Fonte de referência, estudo e pesquisa:
Enciclopédia Jurídica da PUC SP
>>>>>> Cursos Grátis <<<<<<
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário desempenha um papel fundamental na melhoria contínua e na manutenção deste blog. Que Deus abençoe abundantemente você!