O que é e como tribunais aplicam reintegração de posse?
Ato de afronta contra a posse pode variar de intensidade ao longo do tempo: de ameaça a desapossamento
PM cumpre mandado de reintegração de posse em terreno em Ananindeua, no Pará (Crédito: Antônio Silva/ Agência Pará)
A reintegração de posse tem sua disciplina legal atrelada tanto a dispositivos que tratam das ações possessórias em geral (arts. 554 e segs. do Código de Processo Civil, CPC) quanto a dispositivos que cuidam especificamente da manutenção e reintegração (arts. 560 e segs. do CPC).
Reintegração no art 560, do CPC e no art 1.210, do CC
Ao passo que a manutenção de posse se vincula às situações de turbação, ou seja, às situações em que o possuidor tem sua posse molestada, a reintegração se relaciona com os casos de esbulho, ou seja, com os casos em que a pessoa é desapossada. Tem-se aqui, portanto, uma distinção pautada na intensidade do ato praticado contra o possuidor, consoante se infere do art. 560 do Código de Processo Civil: “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho”. Do mesmo sentir é o art. 1.210 do Código Civil, que contempla, ainda, o interdito proibitório, nas situações de ameaça à posse: “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”.
Como é cediço, o ato de afronta contra a posse pode variar de intensidade ao longo do tempo. Uma conduta que nasce como mera ameaça à posse pode se converter ulteriormente em moléstia concreta e acabar se cristalizando como um ato de desapossamento. Daí permanecer viva no ordenamento jurídico a noção de fungibilidade entre as ações possessórias, expressa no caput do art. 554 do Código de Processo Civil: “a propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados”. Nessas condições, se o autor descreve na petição inicial uma situação de turbação e pede a manutenção da sua posse, mas no momento do julgamento o juiz depara com uma situação de esbulho, o magistrado pode conceder-lhe medida de reintegração.
Reintegração de posse no Código de Processo Civil
O art. 556 do Código de Processo Civil exige um comportamento ativo do réu da ação possessória que alega ser o possuidor do bem litigioso e tenciona obter no processo proteção possessória em seu favor: “é lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor”. Se o réu não oferece demanda possessória por ocasião da contestação, ou seja, se ele não reconvém, ele pode até conseguir no processo sentença negativa da posse do autor, mas não terá afirmada no processo a sua posse. Isso revela ausência de duplicidade nas ações possessórias, que não são predispostas a tutelar igualmente autor e réu independentemente de pedido deste. Tencionando o réu no processo tutela para fins de manutenção ou reintegração de posse, deve demandá-la expressamente por ocasião da resposta, por meio de reconvenção.
Questão que suscita controvérsia é a da possibilidade de ajuizamento de ação petitória na pendência de ação possessória. Nos termos do caput do art. 557 do Código de Processo Civil, “na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa”. O parágrafo único do mesmo dispositivo legal completa: “não obsta à manutenção ou à reintegração de posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa”. Esse texto repete o do § 2º do art. 1.210 do Código Civil. Na Itália, há notícia de julgamento de inconstitucionalidade envolvendo dispositivo semelhante (art. 705, § 1º, do Codice di Procedura Civile).[1] No Brasil, por sua vez, julgado do Tribunal de Justiça paulista que deixara de aplicar o art. 557 do Código de Processo Civil foi reformado por recente acórdão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:
“A proibição do ajuizamento de ação petitória enquanto pendente ação possessória não limita o exercício dos direitos constitucionais de propriedade e de ação, mas vem ao propósito da garantia constitucional e legal de que a propriedade deve cumprir a sua função social, representando uma mera condição suspensiva do exercício do direito de ação fundada na propriedade.
“Apesar de seu nomen iuris, a ação de imissão na posse é ação do domínio, por meio da qual o proprietário, ou o titular de outro direito real sobre a coisa, pretende obter a posse nunca exercida. Semelhantemente à ação reivindicatória, a ação de imissão funda-se no direito à posse que decorre da propriedade ou de outro direito real (jus possidendi), e não na posse em si mesmo considerada, como uma situação de fato a ser protegida juridicamente contra atentados praticados por terceiros (jus possessionis).
“A ação petitória ajuizada na pendência da lide possessória deve ser extinta sem resolução do mérito, por lhe faltar pressuposto negativo de constituição e de desenvolvimento válido do processo”.[2]
Para a obtenção de mandado liminar inaudita altera parte de manutenção ou reintegração de posse, cabe ao autor provar, nos termos do art. 561 do Código de Processo Civil: “I – a sua posse; II – a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III – a data da turbação ou do esbulho; IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração”. Não havendo prova nesse sentido, o juiz “determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada” (art. 562, caput, do CPC).
Superada a fase inicial do processo voltado à manutenção ou reintegração de posse, prevê o legislador no art. 566 do Código de Processo Civil: “aplica-se, quanto ao mais, o procedimento comum”. Dado que audiências e medidas liminares se fazem presentes também no procedimento comum, conclui-se que o procedimento estabelecido para as ações possessórias pouco tem de especial.
[1] Segue o teor do dispositivo legal italiano: “il convenuto nel giudizio possessorio non può proporre giudizio petitorio, finché il primo giudizio non sia definito e la decisione non sia stata eseguita”. E a informação da decisão de inconstitucionalidade: “la Corte costituzionale con sentenza 3 febbraio 1992, n. 25 ha dichiarato l’illegittimità costituzionale del presente comma nella parte in cui subordina la proposizione del giudizio petitorio alla definizione della controversia possessoria e all’esecuzione della decisione nel caso che ne derivi o possa derivarne un pregiudizio irreparabile al convenuto” (https://www.altalex.com/documents/news/2014/12/10/dei-procedimenti-speciali-dei-procedimenti-sommari – acesso em 28/6/2021).
[2] STJ, 3ª Turma, REsp 1.909.196, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 15/6/2021, DJ 17/6/2021.
Fonte de referência, estudos e pesquisa:
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