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quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Elementos do Pecado Original

 

Elementos do Pecado Original




Elementos do Pecado Original

 

Devemos distinguir dois elementos no pecado original, a saber:

 

a. A culpa original.

 

A palavra "culpa" expressa a relação que há entre o pecado e justiça, ou, como o colocam os teólogos mais antigos, e a penalidade da lei. Quem é culpado está numa relação penal com a lei. Podemos falar da culpa em dois sentidos, a saber, como “reatus culpae” (réu convicto) e como “reatus poenae” (réu passível de condenação).

A primeira, que Turretino chama de "culpa potencial", é o demérito moral de um ato ou estado. Essa culpa é da essência do pecado e é uma parte inseparável da sua pecaminosidade. Prende-se somente aos que praticaram pessoalmente ações pecaminosas, e prende-se a eles permanentemente. Não pode ser removida pelo perdão, não é removida pela justificação baseada nos méritos de Jesus Cristo, e muito menos pelo perdão puro e simples.

Os pecados do homem são inerentemente merecedores de males, mesmo depois que ele foi justificado. Nesse sentido, a culpa não pode ser transferida de uma pessoa para outra.

O sentido habitual, porém, em que falamos de culpa na teologia, é a de “reatus poenae”. Com isto se quer dizer merecimento de punição, ou obrigação de prestar satisfação à justiça de Deus pela violação, feita por determinação pessoal. Neste sentido, a culpa não faz parte da essência do pecado, mas é, antes, uma relação com a sanção penal da lei. Se não houvesse nenhuma sanção ligada à inobservância das relações morais, todo abandono da lei seria pecado, mas não envolveria sujeição a castigo. Neste sentido, a culpa pode ser removida pela satisfação da justiça, pessoal ou vicariamente.

Pode ser transferida de uma pessoa para outra, ou pode ser assumida por uma pessoa em lugar de outra. É retirada dos crentes pela justificação, de modo que os seus pecados, embora merecedores de condenação, não os tomam sujeitos ao castigo. Os semipelagianos e osmais antigos armonoanos, ou "remonstrantes", negam que o pecado original envolve culpa. A culpa do pecado de Adão, cometido por ele na qualidade de chefe federal da raça humana, é imputada a todos os seus descendentes. Isso é evidenciado pelo fato de que, como a Bíblia ensina, a morte, como castigo do pecado, passou de Adão a todos os seus descendentes: Rm 5.12-19; Ef 2.3; 1 Co 15.22.

 

b. Corrupção original.

 

A corrupção original inclui duas coisas, a saber, a ausência da justiça original e a presença do mal positivo. Deve-se notar:

(1) Que a corrupção original não é apenas uma moléstia, como a descrevem alguns dos "pais" gregos e os arminianos, mas, sim, pecado, no sentido real da palavra. A culpa está ligada ao pecado; quem nega isto não tem uma concepção bíblica da corrupção original.

(2) Que não se deve considerar essa corrupção como uma substância infundida na alma humana, nem como uma mudança da substância no sentido metafísico da palavra. Este foi erro dos maniqueus, e de Flacius Illyricus nos dias da Reforma. Se a substância da alma fosse pecaminosa, seria substituída por uma nova substância na regeneração; mas não é o que acontece.

(3) Que não é mera privação. Em sua polêmica com os maniques. Agostinho não somente negava que o pecado era uma substância, mas também afirmava que era apenas uma privação. Chamava-lhe privatio boni (privação do bem). Mas o pecado original não é somente negativo; é também uma disposição positiva para o pecado. A corrupção original pode ser examinada em mais de uma perspectiva, a saber, como depravação total e como incapacidade total.

 

c. Depravação total.

 

Em vista do se caráter impregnante, a corrupção herdada toma o nome de depravação total. Muitas vezes esta frase é mal compreendida, e, portanto, requer cuidadosa discriminação. Negativamente, não implica:

(1) que todo homem é tão completamente depravado com poderia chegar a ser;

(2) que o pecador não tem nenhum conhecimento inato de Deus, nem tampouco tem uma consciência que discerne entre o bem e o mal;

(3) que o homem pecador raramente admira o caráter e os atos virtuosos dos outros, ou que é incapaz de afetos e atos desinteressados em suas relações com os seus semelhantes; nem

(4) que todos os homens não regenerados, em virtude da sua pecaminosidade inerente, se entregarão a todas as formas de pecado; muitas vezes acontece que uma forma de pecado exclui outra.

 

Positivamente, a expressão "depravação total" indica:

(1) que a corrupção inerente abrange todas as partes da natureza do homem, todas as faculdades e poderes da alma e do corpo; e

(2) que absolutamente não há no pecador bem espiritual algum, isto é, bem com relação a Deus, mas somente perversão.

Esta depravação total é negada pelos pelagianos, pelos socianos e pelos arminianos do século dezessete, mas é ensinada claramente na Escrituras, Jo 5.42; Rm 7.18,23; 8.7; Ef 4.18; 2 Tm 3.2-4; Tt 1.15; Hb 3.12.

 

d. Incapacidade total.

 

Com respeito ao seu efeito sobre os poderes espirituais do homem, a corrupção original herdada toma o nome de incapacidade total. Aqui, de novo, é necessário fazer adequada distinção. Na atribuição de incapacidade total à natureza do homem, não queremos dizer que lhe é impossível fazer o bem em todo e qualquer sentido da palavra.

Os teólogos reformados (calvinistas) geralmente dizem que ele ainda é capaz de realizar:

(1) o bem natural;

(2) o bem civil ou justiça civil; e

(3) externamente, o bem religioso.

Admite-se que mesmo o não regenerado possui alguma virtude, a qual se revela nas relações da vida social, em muitos atos e sentimentos que merecem a sincera aprovação e gratidão dos seus semelhantes, e que até encontram aprovação de Deus, até certo ponto.

Ao mesmo tempo, afirma-se que esses mesmos atos e sentimentos, quando considerados em relação a Deus, são radicalmente defeituosos. Seu defeito fatal é que não são motivados pelo amor a Deus, nem pela consideração de que à vontade de Deus os exige.

Quando falamos da corrupção do homem em termos de incapacidade total, queremos dizer duas coisas:

(1) que o pecador não regenerado não pode praticar nenhum ato, por insignificante que seja, que fundamentalmente obtenha a aprovação de Deus e corresponde às exigências da santa lei de Deus; e

(2) que ele não pode mudar a sua preferência fundamental pelo peado e por si mesmo, trocando-a pelo amor a Deus; não pode sequer fazer algo que se aproxime de tal mudança. Numa palavra, ele é incapaz de fazer qualquer bem espiritual.

Há abundante suporte bíblico para esta doutrina: Jo 1.13; 3.5; 6.44; 8.34; 15.4; Rm 7.18, 24; 8.7, 8; 1 Co 2.14; 2 Co 3.5; Ef 2.1,8-10; Hb 11.6.

Todavia, os pelagianos acreditam na plena capacidade do homem, negando que as suas faculdades morais foram prejudicadas pelo pecado. Os arminianos falam de uma capacidade advinda da graça, porque acreditam que Deus infunde a Sua graça comum a todos os homens, capacitando-os à conversão a Deus e à fé. Os teólogos da Nova Escola atribuem ao homem uma capacidade natural, distinta de uma capacidade moral, distinção copiada da grande obra de Edward, Sobre a Vontade (On the Will).

O sentido do seu ensino é que o homem, em seu estado decaído, continua de posse de todas as faculdades naturais que se requerem para a realização de algum bem espiritual (intelecto, vontade etc), mas lhe falta capacidade moral, isto é, a capacidade de dar apropriada direção àquelas faculdades, direção agradável a Deus. A distinção em foco é apresentada com o fim de salientar o fato de que o homem é voluntariamente pecaminoso, e bem que se pode dar ênfase a isto. Mas os teólogos da Nova Escola afirmam que o homem seria capaz de praticar o bem espiritual se tão somente quisesse fazê-lo. Significa que a "capacidade natural" da qual eles falam é , afinal de contas, capacidade para praticar verdadeiro bem espiritual.¹

Pode-se dizer em geral que a distinção feita entre a capacidade natural e a capacidade moral não é desejável, pois:

(1) não tem base na Escritura, a qual ensina que o homem não é capaz de fazer o que dele se requer;

(2) essa distinção é essencialmente ambígua e enganosa: a posse das faculdades requeridas para a realização do bem espiritual não constitui ainda uma capacidade para realizá-lo;

(3) "natural" não é uma antítese apropriada de "moral", pois uma coisa pode ser natural e moral ao mesmo tempo; e a incapacidade do homem também é natural num sentido importante, a saber, no sentido de ser própria da sua natureza no presente estado desta como propagada naturalmente; e

(4) a linguagem não expressa com precisão a importante distinção pretendida; o que se quer dizer é que é moral, e não física nem constitucional; tem sua base, não na falta de alguma faculdade, mas no estado moral corrupto das faculdades e da disposição do coração.

 

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