Direito Processual Penal Brasileiro - Origem e História
O Direito
Processual Penal ou Direito Processual Criminal é o
ramo de estudo tradicionalmente voltado à atividade de jurisdição de um Estado soberano no julgamento do acusado
de praticar um crime. O procedimento de legitimação do
direito de punir estatal, chamado de processo penal, é o universo de estudos do
Direito Processual Penal.
História
do Processo Penal Brasileiro
Nossa
primeira legislação codificada foi o Código de Processo Criminal de Primeira
Instância, no ano de 1832.
Porém
o período mais significante para o Processo Penal Brasileiro foi em meados do
século XX. Foi em 1941 que o Código de Processo Penal foi criado, continuando
atual quanto à vigência. A elaboração do Código de Processo Penal brasileiro
foi inspirada na codificação processual penal italiana da década de 30. Nessa
época a Itália estava em pleno regime fascista. Com isso, culminou na
elaboração de um código com bases extremamente autoritárias. Para ilustrar esse
aspecto absolutamente autoritário do Código de Processo Penal, a redação
primitiva nos trazia que até a sentença absolutória, ou seja,
aquela que julga improcedente a pretensão de punir, não era suficiente para
restabelecer a liberdade do réu, dependendo do grau da infração penal (antigo
art. 596, CPP). Da mesma forma, dependendo da pena que era abstratamente
culminada ao fato, uma denúncia, quando era recebida, era decretada automática
e obrigatoriamente a prisão preventiva do acusado, como se fosse realmente
culpado (antigo art. 312, CPP). Portanto, podemos perceber que o princípio que
norteava o Código de Processo Penal, então, era o da presunção de
culpabilidade, (o acusado era tratado como potencial e virtual culpado) o que
não era de se estranhar, devido ao fato de que o Código foi inspirado em uma
cultura de poder fascista e autoritária, que era do regime italiano da década
de 1930.[1] Até
aqui estamos tratando da redação originária do Código de Processo Penal
Brasileiro.
Na
década de 70, houve grandes alterações no Código de Processo Penal Brasileiro,
dentre elas:
·
Lei nº 5.349/67,
flexibilização das inúmeras regras restritivas do direito à liberdade.[2]
Nesse
século, podemos citar: [3]
·
Lei nº 11.689/08
, modificou inteiramente o rito procedimental do júri;
·
Lei nº
11.690/08, alterou o tratamento das provas;
·
Lei nº
11.719/08, promoveu ampla modificação nos ritos e procedimentos;
·
Lei nº
11.900/09, cuidou de diversas modalidades de interrogatório;
·
Lei nº 12.015/09
e 12.033/09, publicizaram a ação penal nos crimes contra a dignidade sexual e
contra a honra, quando consistente, no último caso, na utilização de
preconceito de cor, raça, origem, etnia, idade ou deficiência da vítima.
·
Lei nº
12.403/2011, tratou e introduziu diversas medidas cautelares pessoais no Brasil,
apresentado alternativas efetivas e concretas às prisões cautelares
·
Lei nº
12.404/2011: alinhamento do Código com as determinações constitucionais em
temas essenciais (ex: prisões provisórias tem que ser exceção, devendo o
magistrado preferir por medidas cautelares diversas).
A
Constituição da República e o Código de Processo Penal
Como
vimos anteriormente, até a década de 70, o Código de Processo Penal era
nitidamente autoritário, porém a constituição da República de 1988, caminhou em
direção oposta. O novo texto constitucional, instituiu um sistema de amplas
garantias individuais, enquanto que o Código de Processo Penal pautava-se pelo
princípio da culpabilidade e da periculosidade do agente, a começar pela
afirmação da situação jurídica de quem ainda não tiver reconhecida a sua
responsabilidade penal por sentença condenatória transitado em julgado:
“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória”(art.5º, LIVV, CF/88). A mudança foi significativa, fazendo com que a
nova ordem exigisse de que o processo não fosse mais conduzido como instrumento
da aplicação da lei penal, mas além disso, que se transformasse em um
instrumento de garantia do indivíduo perante ao Estado. Esse devido processo
penal constitucional, busca realizar uma justiça Penal submetida à exigência de
igualdade efetiva entre os litigantes. Com o processo devendo sempre se atentar
para a desigualdade material. Ao Estado deve interessar tanto a absolvição do
inocente quanto a condenação do culpado, e com a Constituição de 1988 o
Ministério Público, passou a ser considerado uma instituição independente tendo
a função de defender a ordem jurídica, e não apenas os interesses da função
acusatória[4],
devendo atuar com imparcialidade, reduzindo-se a sua caracterização conceitual
de parte ao campo específico da técnica processual.
Com
base no que foi abordado anteriormente, nossa legislação processual permanece
ligada à codificação elaborada em 1941, com muitas modificações até os dias
atuais. Sem essas modificações estaríamos inseridos numa teoria extremamente
autoritária, porém ainda aguarda-se reforma mais atualizadas. Nesse sentido
temos tramitando no Congresso Nacional o PLS nº 156 (PL nº 8.045/10), cuidando
da elaboração de um novo Código de Processo Penal. Portanto, o código elaborado
em 1941 “refletia uma mentalidade tipicamente policialesca, própria da época,
em absoluto descompasso com a Constituição da República”. (PACCELI, 2013, pg.
1,) [5]
Ao
contrário do entendido no âmbito do Direito ProcessualCivil, no processo penal não há a figura da lide[carece de
fontes],
posto a expectativa da punição ao praticante de condutatípica, antijurídica e culpável é pré-determinada em relação ao
fato.
Dado
que a maioria das Constituições contemporâneas (incluindo
a Constituição brasileira de 1988 e a Constituição portuguesa de 1976) traz como direito fundamental da pessoa humana a presunção de inocência, pela qual, conforme a redação do inciso LVII do art. 5º
da Carta brasileira ("Ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória") e a dicção do item 2º do art. 32 da Constituição portuguesa
("Todo o arguido se presume inocente até o trânsito em julgado da sentença
de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as
garantias de defesa."), o indivíduo submetido à persecução penal somente
poderá sofrer os efeitos da sanção penal prevista para o fato objeto
da denúncia ou queixa-crime após
transcorrido todo o processo durante o
qual tenha o réu a garantia da ampla defesa plenamente respeitada. A
este tipo de processo em que são garantidos direitos ao imputado chama-se devido processo legal.
O
Direito Processual Penal é um ramo jurídico autônomo, subdivisão do Direito Processual.
Como o Direito processualcivil, abarca normas de caráter instrumental, que regulam o
desenrolar do processo, e se encaixa no
grande ramo do Direito Público.
Características
do Processo penal no Brasil
O
Direito Processual Penal brasileiro é regido principalmente pelas garantias e
determinações insculpidas na Constituição Federal de 1988. As normas
procedimentais estão descritas no Código de Processo Penal brasileiro
(Decreto-lei nº 3.689/1940), que sofre intensas críticas da doutrina e da
sociedade em geral por trazer disposições incompatíveis com algumas garantias trazidas
pela Carta de 1988. Há disposições de cunho processual penal em outros diplomas
legislativos, como por exemplo na Lei Federal nº 9.099/1995 (Lei dos Juizados
Especiais) ou na Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
O
processo penal é o instrumento necessário e suficiente à realização da
jurisdição penal. A Constituição brasileira afirma que "ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (art.
5º, LIV). Por meio do processo, verifica-se se a ação ou omissão que estão abstratamente
descritas na lei penal como proibidas (tipo penal) ocorreram, se sim se houve uma
justificação, ou uma exculpante.
Cabe
ao processo penal a averiguação das provas apresentadas
pelas partes de acordo com suas linhas
argumentativas, de modo o juiz seja livremente convencido e julgue o réu de
acordo com seu entendimento acerca do fato investigado através das provas a ele
trazidas nos autos.
O
processo penal segue diversos procedimentos, ou ritos, de acordo com a natureza
crime que pretende julgar, ou de acordo com a pena em abstrato prevista para
tal delito. Os procedimentos previstos no Código de Processo Penal brasileiro
são o rito ordinário, o rito sumário, o rito sumaríssimo (previsto na Lei nº
9.099/95, que estabelece os Juizados Especiais cíveis
e criminais) e o rito do Tribunal do Júri.
Os
resultados possíveis do processo penal são:
·
Absolvição,
quando resta provado que o acusado não é autor do fato típico ou quando sobre
ele incide uma ou mais excludentes de culpabilidade ou antijuridicidade; a
absolvição libera o absolvido de quaisquer obrigações com o Estado ou com
qualquer parte do processo.
·
Condenação,
quando resta provado que o acusado é autor do fato típico, antijurídico e
culpável; a condenação gera, na maior parte das vezes, a aplicação da sanção
penal prevista em abstrato para o crime de que o réu foi considerado culpado,
além de ensejar a possível responsabilidade civil ex delicto do
réu para com a vítima;
·
Aplicação de
medida de segurança, quando se determina que,
embora autor da ação ou omissão típica e antijurídica, o réu é inimputável, ou
seja, não possuía, no momento do fato, capacidade mental de entender a
ilicitude de sua ação ou guiar-se de acordo com este entendimento; para
aplicação de medida de segurança entende-se que o réu deve ser considerado
perigoso para a sociedade devido ao transtorno mental que o torna inimputável,
pelo que delibera-se interná-lo em instituição psiquiátrica para tratamento de
sua patologia;
·
Aplicação de
medida educativa, quando o acusado é autor do
fato típico e antijurídico, mas, por não ter ainda atingido a idade mínima
legal para sujeição à sanção penal (no Brasil, a idade de 18 anos), é submetido
a medida educativa (nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente).
Princípios
do Processo Penal
Os
princípios do Processo Penal brasileiro, são aquelas normas máximas que devem
ser respeitadas e observadas no curso de um processo penal. São oriundos da
Constituição ou do próprio Direito Processual Penal. A maioria dos referidos
princípios encontram-se positivados na Constituição Federal (art. 5º, CF/88) e,
por essa razão, em hipótese alguma podem ser descumpridos ou violados, sob pena
de gerar nulidade absoluta do processo. Vejamos brevemente alguns deles:
Princípio
do Devido Processo Legal
A
Carta Magna brasileira de 1988 trouxe pela primeira vez em seu texto o
Princípio do Devido Processo Legal. Ele está expresso no art.5°, inciso LIV,
que aduz:
:"Art.
5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
LIV
– ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal;"
Tal
princípio é a garantia de que haja um procedimento adequado, no qual as partes
tenham direito ao contraditório e a ampla defesa, conforme previsão do art. 5°,
inciso LV.
CINTRA
(2012) defende que o princípio do devido processo legal, procura concretizar o
direito à igualdade processual, decorrente do princípio da isonomia (art. 5°,
I), consagrando-se o equilíbrio entre as partes no processo civil e entre a
defesa e a acusação no processo penal.
Na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art.8°, há a previsão do princípio
do devido processo legal, consagrando-o como um direito fundamental:
:Art.VIII
“Todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio
efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam
reconhecidos pela constituição ou pela lei”.
Segundo
COSTA, a grande importância do princípio do devido processo legal para os
Estados de Direito, é confirmada pelo art. IX, X e XI da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, que rezam que:
“Artigo
IX - Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo
X - Toda pessoa tem direito, em plena
igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal
independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do
fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Artigo
XI
1.Toda
pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até
que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento
público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à
sua defesa.
2.Ninguém
poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não
constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será
imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável
ao ato delituoso”.
A
Convenção de São José da Costa Rica, tratado do qual nosso país é signatário,
também assegura o princípio do devido processo legal, conforme expressão de seu
art.8°:
Garantias
judiciais:
Art.
8º
1.
Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de
um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação
penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de
caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. "
2.
Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência
enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa
tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
a)
direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete,
se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal;
b)
comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c)
concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua
defesa;
d)
direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um
defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu
defensor;
e)
direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo
Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se
defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de
obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que
possam lançar luz sobre os fatos.
g)
direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada,
e h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.
3.
A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.
4.
O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá se submetido a
novo processo pelos mesmos fatos.
5.
O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar
os interesses da justiça.”
Bibliografia
- MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.
- Bajer, Paula- Processo penal e cidadania- Coleção Descobrindo o Brasil, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002
- Bitencourt, Cezar Roberto - Tratado de Direito Penal vol. 1 Parte Geral. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008
- CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER,
- Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28.ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
- CHAVES, Charley Teixeira. Ministério Público como Instituição Permanente Popular: Os sujeitos processuais no direito democrático. 1ª. ed. Belo Horizonte: Arraes, 2012.
- CHAVES, Charley Teixeira. O povo e o tribunal do júri. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2015.
- CHAVES, Charley Teixeira. Curso de Teoria Geral do Processo. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016.
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- GAVIORNO, Gracimeri Vieira Soeiro de Castro; GONÇALVES, William Couto. O devido processo legal e o processo justo. Disponível em: <https://web.archive.org/web/20131105143950/http://www.fdv.br/publicacoes/periodicos/revistadepoimentos/n10/6.pdf> Acesso em: 01 nov. 2013.
- GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 3.ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.
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- LOPES JR, Aury. Direito processual Penal. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
- RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2011.
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