Movimento dos Trabalhadores sem Terra no Brasil
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) é um dos mais importantes movimentos sociais do Brasil, tendo como foco as questões do trabalhador do campo, principalmente no tocante à luta pela reforma agrária brasileira. Como se sabe, no Brasil prevaleceu historicamente uma desigualdade do acesso a terra, consequência direta de uma organização social patrimonialista e patriarcalista ao longo de séculos, predominando o grande latifúndio como sinônimo de poder. Desta forma, dada a concentração fundiária, as camadas menos favorecidas como escravos, ex-escravos ou homens livres de classes menos abastadas teriam maiores dificuldades à posse da terra.
Assim, do Brasil colonial da monocultura a este do agronegócio em pleno século XXI, o que prevalece é a concentração fundiária, o que traz à tona a necessidade da discussão e da luta política como a encabeçada pelo MST.
Conforme Bernardo M. Fernandes em seu livro A formação do MST no Brasil (2000), o MST nasceu da ocupação da terra e tem nesta ação seu instrumento de luta contra a concentração fundiária e o próprio Estado. Segundo este autor, pelo fato da não realização da reforma agrária, por meio das ocupações, os sem–terra intensificam a luta, impondo ao governo a realização de uma política de assentamentos rurais.
A organização do MST enquanto movimento social começou nos anos 80 do século passado e hoje já se faz presente em 24 estados da federação, fato que ilustra sua representatividade em termos nacionais. A fundação deste movimento se deu em um contexto político no qual o duro regime militar que se iniciava na década de 60 do século passado chegava ao fim, permitindo à sociedade civil brasileira uma abertura política para reivindicações e debates. Neste contexto de redemocratização do país, em 1985 surgiu a proposta para a elaboração do primeiro PNRA (Plano Nacional da Reforma Agrária). Sua segunda versão (II PNRA) foi proposta apenas em 2003, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Os objetivos do MST, para além da reforma agrária, estão no bojo das discussões sobre as transformações sociais importantes ao Brasil, principalmente àquelas no tocante à inclusão social. Se por um lado existiram avanços e conquistas nesta luta, ainda há muito por se fazer em relação à reforma agrária no Brasil, seja em termos de desapropriação e assentamento, seja em relação à qualidade da infraestrutura disponível às famílias já assentadas. Segundo dados do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), o número de famílias assentadas nestes últimos anos foi de 614.093, sendo criados neste mesmo período 551 assentamentos. Ainda conforme o INCRA, no total, o Brasil conta com 85,8 milhões de hectares incorporados à reforma agrária e um total de 8.763 assentamentos atendidos, onde vivem 924.263 famílias.
Os números apresentados são positivos. Porém, se levarmos em consideração as afirmações do próprio MST e de especialistas no assunto, até 2010 havia ainda cerca de 90 mil famílias acampadas pelo país, o que representa uma demanda por terra considerável por se atender, a despeito dos avanços sugeridos anteriormente. Em relação à infraestrutura disponível a estas famílias, alguns dados apresentados pela Pesquisa de Avaliação da Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária promovida pelo INCRA em 2010 são muito significativos. A pesquisa mostra que 31,04% dos assentamentos possuem disponibilidade de energia, mas com quedas constantes ou com “pouca força” e 22,39% não possui energia elétrica, o que significa que mais da metade dos domicílios não contam plenamente com este benefício. No tocante ao saneamento básico, os dados também mostram que ainda é necessário avançar, pois apenas 1,14% dos assentamentos contam com rede de esgotos, contra 64,13% (somados fossa simples e fossa “negra”) que possuem fossas. A dimensão negativa destes dados repete-se na avaliação geral de outros fatores como a condição das estradas de acesso e de satisfação geral dos assentados, tornando-se mais significativa quando quase a metade dos assentados não obteve algum financiamento ou empréstimo para alavancar sua produção. Isso mostra que muito ainda deve ser feito em relação aos assentamentos, pois apenas com o acesso a terra não se garante a qualidade de vida e as condições de produção do trabalhador do campo.
Se por um lado a luta pela terra além de ser louvável é legítima, por outro, os meios praticados pelo movimento para promover suas invasões em alguns determinados casos geram muita polêmica na opinião pública. Em determinados episódios que repercutiram nacionalmente, o movimento foi acusado de ter pautado pela violência, além de ter permeando suas ações pela esfera da ilegalidade, tanto ao invadir propriedades que, segundo o Estado, eram produtivas, como ao ter alguns de seus militantes envolvidos em depredações, incêndios, roubos e violência contra colonos dessas fazendas.
Contudo, vale ressaltar que em muitos casos a violência e a ação truculenta do Estado ao lidar como uma questão social tão importante como esta também se fazem presentes. Basta lembrarmos o episódio do massacre de Eldorado de Carajás, no Pará, em 1996, quando militantes foram mortos em confronto com a polícia. A data em que ocorreu este fato histórico, 17 de Abril, tornou-se a data do Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. Se a polêmica da violência (seja por parte do movimento, seja do Estado) não bastasse, outras vêm à tona, como a da regularização fundiária pelo país, a qual pode atender a interesses de latifundiários e famílias ligadas ao agronegócio. Dessa forma, a despeito das críticas que recebe (não apenas por seus atos polêmicos em si, mas algumas vezes por desconhecimento da opinião pública influenciada por uma mídia que pode ser tendenciosa), o MST trata-se de um instrumento importante na transformação de uma realidade rural no país: a concentração fundiária.
A reforma agrária está entre tantas outras reformas que a sociedade brasileira tanto almeja para uma agenda de erradicação da miséria e da desigualdade, valorizando a função social da terra. Assegurar os direitos do trabalhador do campo é, ao mesmo tempo, defender sua dignidade enquanto brasileiro.
Paulo Silvino Ribeiro
Colaborador Brasil Escola
Bacharel em Ciências Sociais pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
Mestre em Sociologia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"
Doutorando em Sociologia pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:
RIBEIRO, Paulo Silvino. "O MST no Brasil"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/mst.htm. Acesso em 27 de novembro de 2020.
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