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Os protestos contra a morte de Floyd repercutiram muito além dos Estados Unidos
Em novembro de 2014, quando Donald Trump fez o seguinte comentário pelo Twitter, mal poderia imaginar que um dia estaria na Casa Branca tendo que lidar com um problema semelhante: "Nosso país está totalmente dividido e, com nossa fraca liderança em Washington, pode se esperar que os distúrbios e saques de Ferguson ocorram em outras partes do país".
Naquela ocasião, ele fazia referência aos protestos na cidade de Ferguson, no Estado do Missouri, onde o jovem negro Michael Brown, de 18 anos, havia sido morto pelo policial branco Darren Wilson. O presidente do país era Barack Obama.
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Cinco anos e meio depois, os Estados Unidos vivem a mais grave onde de manifestações desde 1968, após o assassinato do líder de direitos civis Martin Luther King Jr.. Desta vez, o estopim dos protestos foi a morte de George Floyd, um americano negro de 46 anos, que foi sufocado por um policial branco, que se ajoelhara sobre seu pescoço por mais de 8 minutos.
O caso provocou manifestações em mais de 75 cidades. Em mais de 40 delas, as autoridades decretaram toque de recolher. A Guarda Nacional (força militar que os EUA reservam para emergências) foi acionada com 16 mil soldados despachados para 24 Estados e a capital, Washington.
Por que este assassinato — que apesar de chocante, é semelhante a vários outros episódios — provocou protestos tão grandes?
1. Uma morte, muitos casos
Capturada em vídeo por uma testemunha, a imagem do policial com o joelho sobre o pescoço da vítima, que, deitada na rua e imobilizada, dizia "não consigo respirar", é tida como o gatilho da onda de indignação que tomou o país.
"O que pôs tudo isso em marcha foi o brutal assassinato de George Floyd na semana passada. Foi o catalisador, o que levou as pessoas às ruas", disse Ashley Howard, professora assistente de História e Estudos Afro-americanos da Universidade de Iowa à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Ela diz que essa morte não foi um caso isolado; que as comunidades negras estão submetidas a uma constante e excessiva vigilância por parte da polícia.
Essa situação criou um paradoxo, que Julian Zelizer, historiador político da Universidade de Princeton, resume assinalando que os negros vivem com medo "porque se sentem vulneráveis perante aqueles que deveriam protegê-los".
É comum encontrar queixas de cidadão negros americanos nas redes sociais dizendo sentir que são detidos pela polícia pelo simples fato de serem negros.
E dados indicam que isso não é apenas uma percepção.
Um artigo de Rashawn Ray, do centro de pesquisas Brookings Institution, afirma que pessoas negras têm 3,5 vezes mais chances de serem mortas por policiais do que brancas em situações em que não existe ataque ao policial ou porte de armas. Entre adolescentes, a probabilidade é 21 vezes maior. A polícia americana mata uma pessoa negra a cada 40 horas.
"Um em cada mil negros morre nas mãos da polícia. E por mais impressionantes que sejam essas estatísticas, elas ainda são melhores do que no passado. É por isso que há protestos de Minneapolis a Los Angeles", diz Ray.
2. Racismo estrutural
Os excessos policiais não são a única faceta do racismo nos Estados Unidos — nem foram o único motivo para os protestos.
Ashley Howard, da Universidade de Iowa, diz que a desigualdade afeta profundamente a vida dos negros nos EUA, e que ela está na origem de várias disparidades significativas, "de (índices de) mortalidade materna à diferenças na renda e na riqueza que é passada de uma geração à outra".
Howard também explica que os negros americanos possuem renda e escolaridade menores que os brancos, e também são maioria na população carcerária.
"Todas essas coisas são parte do pano de fundo. As pessoas tem consciência do fato horrível de que suas vidas podem ser apagadas a qualquer momento. Isso também leva as pessoas a se manifestarem nas ruas", diz Howard.
3. Pandemia que discrimina
Os protestos acontecem em um momento em que a pandemia do covid-19 já matou mais de 100 mil pessoas nos Estados Unidos e deixou 40 milhões sem emprego.
Howard diz que os negros americanos sofrem de forma desproporcional com a pandemia, com maiores números de mortes e casos da doença nesta população. Isso porque, segundo a pesquisadora, os negros formam uma grande parte dos trabalhadores que estão na linha de frente da economia, com empregos como motoristas de ônibus, atendentes de lojas ou assistentes de saúde.
E há outros problemas gerados pelo racismo.
"Eles têm acesso a atendimento médico? Podem tirar um dia livre de trabalho se ficam doentes? Alguém paga pelo dia não trabalhado? Há hospitais em suas comunidades? Eles têm apoio para cuidar dos filhos, no caso de doenças? Todos esses problemas de racismo estrutural se agravam durante a pandemia."
Julian Zelizer, da Universidade de Princeton, acrescenta que, "historicamente, os protestos violentos ocorrem durante o verão, quando há calor e muita gente está incomodada e tensa", e diz não ter dúvidas de que a pandemia golpeou duramente os negros americanos.
"A maneira distinta como isso foi enfrentado pela comunidade negra recendeu a raiva sobre como funciona a sociedade americana e creio que o medo do desemprego deixou muita gente incomodada e disposta a protestar."
4. A reação da Casa Branca
A esses fatores, diz Zelizer, se somou a resposta equivocada do governo de Donald Trump, que ajudou a "inflamar" a situação.
"As pessoas precisam de um presidente que peça calma, mas que também escute e responda às causas do que está acontecendo", diz ele.
Zelizer questionou os apelos de Trump por lei e ordem usando frases como "os saques levam a tiroteios", que eram usadas por "algumas das vozes mais reacionárias" da década de 1960.
Fonte de referência, pesquisa e estudos:
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