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Magazine na Lanterna

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Paulo presenciou a morte de Estevão?

Paulo presenciou a morte de Estevão?


Gálatas - 1,22 - "De acordo que, pessoalmente, eu era desconhecido às igrejas da Judéia que estão em Cristo"

Atos - 7,58 - "Lançaram Estevão fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas depuseram os seus mantos aos pés de um moço chamado Saulo (Paulo).

Em Gálatas Paulo afirma nunca ter estado em Jerusalém e em Atos, Lucas afirma que ele estava no apedrejamento de Estevão e que devastava a igreja em Jerusalém. Como resolver tal antinomia?

Para que possamos tentar elucidar um pouco deste problema, devemos deixar claro alguns pontos centrais — Lucas não conheceu Jesus. Isso é um fato. Nenhum evangelista o conheceu - outro fato. Todos evangelistas se utilizaram de fontes escritas e orais baseadas nas tradições acerca de Jesus. Da mesma forma, por incrível que isso possa parecer, o autor do evangelho segundo Lucas e dos Atos dos Apóstolos provavelmente não conheceu Paulo. Se o conheceu, seu contato foi insuficiente para dele ter sido um seguidor, companheiro ou discípulo de longa data.

As contradições entre os relatos dos Atos e as Cartas de Paulo, bem como as diferenças entre “teologia paulina” apresentada por Lucas e a teologia das cartas autênticas de Paulo são várias e extrapolam o escopo deste tópico. Neste sentido, como pontua Kümmel, “É fora de dúvida, pois, que nos três pontos básicos supracitados, a respeito da atividade de Paulo, o autor de Atos tem um conhecimento de tal forma deturpado a respeito dos fatos históricos, que dificilmente poderia ter sido companheiro de Paulo nas viagens missionárias deste.” KUMMEL, Introdução ao Novo Testamento, 1982, p.230)

Não só o autor de Lucas possui um conhecimento secundário acerca da trajetória de Paulo, como também toda a obra dos Atos dos Apóstolos de forma alguma pode ser considerada como um texto com pretensões historiográficas. Como pontua Helmut Koester, “É muito difícil encontrar no Livro dos Atos informações históricas úteis. Como o autor não escreve uma história, mas uma epopéia, ele não submeteu nenhum material tradicional ao escrutínio crítico do historiador.” KOESTER, Introdução ao Novo Testamento, vol. 2, 2005, p.339-40)

Neste sentido, o material lucano deve ser encarado prioritariamente a partir de seu propósito apologético, qual seja – o de transmitir a um público gentio a trajetória de uma Igreja unificada, evitando-se e minimizando a idéia de conflitos de tal Igreja para com o Império Romano. É possível encontrar ecos de eventos e tradições antigas ligadas aos autores dos discursos encontrados em Lucas. Por outro lado, tais discursos só podem ser devidamente interpretados a partir da proposta apologética editorial do autor lucano.

Como mencionam Cláudio Moreschini e Enrico Norelli em seu História da Literatura Cristã Antiga grega e Latina: “Os discursos dos Atos são importantes para o estudo do pensamento do autor; as convenções historiográficas antigas permitiam por na boca dos personagens históricos discursos que eles não tinha realmente pronunciado, mas que serviam para iluminar o significado da situação.” [1995, p.98] Koester [p.340] concorda com Moreschini e Norelli quanto à inserção de discursos compostos pelo autor na boca de personagens históricos retratados como sendo uma técnica da historiografia antiga. No entanto, ressalta, que a mesma técnica era usada por autores de romances e epopéias, de tal forma a destacar o significado de eventos importantes.

Com relação à antinomia em questão, pontuamos a seguinte visão dos autores:

“A presença de Paulo na morte de Estevão (At 7,58) é excluída por Gl 1,22. Atos 8,3 não é histórico pela mesma razão, e consequentemente também Atos 26,10-11. É impensável que Paulo, de posse de cartas do sumo sacerdote, pudesse ter levado cristãos de fora da Palestina para Jerusalém para serem punidos. Nem o sumo sacerdote e nem o sinédrio judaico em Jerusalém jamais tiveram esses poderes de jurisdição.” [KOESTER, p.115]

“Por outro lado, é pouco provável que tenha recebido uma formação rabínica em Jerusalém junto ao grande Gamaliel (At 5,34; 22,3) [...] Que, no entanto, o centro de sua atividade de perseguidor fosse Jerusalém (At 9, 1-2), a ponto de assistir ao apedrejamento de Estevão (At 7,58; 8,1; 22,20), parece contradito por Gl 1,22, segundo a qual ele era pessoalmente desconhecido nas igrejas da Judéia.” [MORESCHINI e NORELLI, p.35-6]

Concluindo, então:

1 - Os relatos acerca de Paulo, sob a perspectiva lucana, devem ser avaliados sempre com reservas e cotejados com a informação das epístolas de Paulo, as quais possuem sempre uma primazia enquanto fonte histórica.

2 – O texto de Lucas não se conforma como um trabalho com pretensões historiográficas. O mesmo deve ser visto sob a ótica literária de uma epopéia e a partir do propósito apologético específico do autor.

3 – Os relatos sobre a atividade de Paulo na Judéia apresentam antinomias. Neste sentido, tendo, pois a concordar com as supracitadas posições de Koester, Moreschini e Norelli.

Fonte de referência, estudos e pesquisa: http://adcummulus.blogspot.com.br/

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