As Identidades de Jezabel de Apocalipse 2.20
Este artigo, publicado resumido e originalmente no Mensageiro da Paz (Número 1.5010, agosto de 2010), mas aqui ampliado, tem como objetivo discutir as várias identidades atribuídas a Jezabel de Apocalipse 2.20.
Se trata da esposa do pastor local. Essa posição baseia-se em supostas evidências textuais críticas que aceitam como válidas o testemunho dos manuscritos A 046 1006 1854, e a tradição escritural atestada por Cipriano que apresenta o pronome genitivo sou(tua) antes do substantivo próprio Jezabel.
De acordo com esses manuscritos, o texto em vez de dizer ten gynaika Iedzabel (a mulher Jezabel), diria ten sou gynaika Iedzabel (a tua mulher Jezabel). O pronome sou, nesse caso, fora usado para referir-se ao sujeito do versículo 12, o angelo tes ekklesias, isto é, o “anjo da congregação” de Pérgamo, como também ao "anjo da igreja em Tiatira", nos versículos 14, 15 e 16.
Provavelmente, a inserção do pronome nesses manuscritos deriva-se de um erro de ditografia ou então de uma percepção equivocada do escriba ao inserir propositalmente o pronome, em função de o mesmo aparecer repetidamente nos versículo 19 e 20.
Se estivermos corretos nessa assertiva, os copistas dos manuscritos citados entenderam que houve, por parte dos escribas anteriores, um erro de haplografia. Este erro, muito bem documentado pela exegese noutras porções bíblicas, ocorre quando se escreve uma palavra, sílaba ou letra apenas uma vez, quando, na verdade, deveria ser escrita mais de uma.
Isto posto, é provável que os escribas tentaram corrigir a cópia manuscrita disponível, entretanto, era necessário, talvez, uma outra cópia que atestasse o pronome sou, para que não se apoiasse apenas em sua interpretação ou percepção.
Todavia, caso esta posição esteja correta, embora as evidências manuscritas, textuais e a própria tradição atestem o contrário, significa que a Jezabel do referido texto é a esposa do pastor da igreja de Pérgamo.
Assim, essa teoria admite que o pastor da comunidade local aceitava os erros, heresias e impudicícias dessa mulher pelo fato de ela ser sua esposa, o que é discutível. Isto porque são feitos importantes elogios às virtudes teologais da igreja de Tiatira. A obra, a fé, o amor, a paciência e o serviço dessa comunidade cristã são mais excelentes do que o eram no passado (v.19).
Observe, a igreja de Éfeso é criticada por “deixar o primeiro amor” (v.4), mas os exercícios teologais da igreja de Tiatira só aumentaram. Enquanto muitos, diz Matthew Henry, “tinham deixado o seu primeiro amor, e perdido o seu primeiro zelo, estes estavam se tornando mais sábios e melhores” (2008, p.968). A mesma comparação pode ser feita a respeito da igreja judaico-cristã de Hebreus que, em vez de crescer, estagnou-se (Hb 5.12,13). Dificilmente, caso a Jezabel do referido texto fosse esposa do “anjo da igreja”, teríamos um crescimento espiritual tão constante e elogiável.
Todavia, aqueles que identificam Jezabel como sendo a esposa do líder local baseiam-se não apenas no pronome, mas também na possibilidade de o nominativo acusativogynaika ser traduzido como esposa em vez de mulher, pois o vocábulo aparece em várias perícopes do Novo Testamento com o sentido de “mulher casada”, “esposa”. Porém, essa é uma tradução possível, mas não necessária.
Assim, traduzem o texto ten sou gynaika Iedzabel como “a tua esposa Jezabel”. Segundo essa escola, ten sou gynaika Iedzabel era o texto original que foi corrompido e amainado por certos escribas inconformados com o tom ácido da perícope. Contudo, muitos textos do Antigo e Novo Testamentos são tão ácidos quanto esse, e, nem por isso, pesa sobre eles alguma acusação de corrupção textual.
Particularmente não concordo com essa tradução e com a interpretação da perícope atestada por essa escola. Devemos aceitar o texto em sua forma corrente e verbal e, segundo, o cânon da exegese, a leitura mais breve ou o texto mais curto deve ser preferido ao mais longo. É possível que o escriba acrescente alguma glosa, mas excluir alguma palavra do texto, ainda que possível, é mais difícil. Logo, não se trata de nenhum erro intencional do escriba, muito pelo contrário. A inserção do pronome (sou) e a tradução de gynaika Iedzabel, como "tua esposa Jezabel", extrapola toda naturalidade do texto.
Uma mulher profetisa da comunidade de Tiatira. Outra hipótese difundida é que se trata de uma profetisa da comunidade de Tiatira. Trata-se de uma mulher cristã carismática, de nome Jezabel. Segundo essa corrente, essa falsa profetisa induzia alguns crentes da comunidade de Tiatira à prostituição, à participação nas festividades pagãs, e à idolatria.
Deve-se, portanto, de acordo com essa hipótese, entender literalmente as palavras dos versículos 21 e 22. Essa mulher não apenas induzia seus seguidores a participarem das licenciosidades das festas pagãs, como ela própria, seduzia-os para o seu próprio leito (v.22).
Permita-me, o leitor, a uma rápida digressão para explicar uma ideia muito interessante nesse trecho. Uma característica muito especial do versículo 22 é a expressão “a porei numa cama” – uma sinédoque para referir-se à enfermidade, doença [a porei enferma numa cama]. Todavia tal expressão é uma finíssima figura de linguagem usada pelo rapsodo, que traz uma imagem conceitual digna de um grande estilista da língua grega.
O termo “leito”, “cama”, é um eufemismo para “relações sexuais” em diversas passagens bíblicas, cito, à guisa de exemplo, apenas Hebreus 13.4. Veja a correspondência entre “cama” e “prostituição” no versículo 22 com “matrimônio” e “leito sem mácula” em Hebreus 13.4. A prostituição macula, mancha, enfermiça a relação sexual fora do casamento. Isto posto, a frase “Eis que a porei numa cama, e sobre os que adulteram com ela virá grande tribulação” (v.22) é um jogo de conceitos semióticos que relacionam a impudicícia da prostituição ao leito-enfermiço, assim como em Hebreus ao leito-santo. O leito, o lugar do coito lascivo, no qual os adúlteros se consomem, tornar-se-á, na linguagem do literato, o lugar da condenação (leito-coito/leito-enfermiço). A mulher Jezabel seria condenada a ficar enfermiça no mesmo local de suas prostituições; enquanto a condenação de seus amantes seria a “grande tribulação”.
Bem, digressões à parte, admitir que se trata de uma mulher literal, cujo nome era Jezabel, é uma opinião melhor do que a anterior. Agora, aceitar que a mulher do pastor deitava-se com diversos homens é uma posição extremamente radical, uma vez que ele, o anjo da igreja, “tolerava” os pecados de Jezabel. Até mesmo, na hipótese presente, é difícil entender como o pastor tolerava uma prostituta, falando em termos culturais heleno-latinos, como profetisa e dava a ela uma posição privilegiada na comunidade cristã. Parece que essa é uma das mais contundentes fraquezas dessa corrente.
Trata-se de Jezabel do Antigo Testamento rediviva. Não precisamos nem comentar esse falso conceito.
Trata-se de referência simbólica aos falsos ensinos pagãos que adentravam na igreja. Essa corrente entende e aceita que a Jezabel do referido versículo é uma figura ou símbolo da religiosidade pagã e dos falsos ensinos das religiões de mistério que invadiram a igreja através dos falsos mestres. Lembremos que Israel, a Igreja, e a falsa igreja de Apocalipse são representadas nas Escrituras pela figura da mulher. Em nossa obra, Igreja: Identidade e Símbolo (2010 - CPAD), apresento o símbolo joanino referente à mulher samaritana (Jo 4) e à senhora eleita (2Jo 1) como respectivas metáforas de religiosidade pagã e cristã.
Portanto, há nas Sagradas Letras elementos simbólicos suficientes para se atestar tal relação, ainda mais nos escritos joanimos. Assim, o nome Jezabel seria um pseudônimo para referir-se às práticas e misticismos pagãos das religiões de mistérios que, a semelhança do paganismo jezabelita introduzido no culto a Javé no Antigo Testamento, estavam adentrando na comunidade cristã de Tiatira. Assim, teríamos na igreja de Pérgamo, os balaamitas e nicolaítas e, na igreja de Tiatira, os jezabelitas.
De acordo com esses manuscritos, o texto em vez de dizer ten gynaika Iedzabel (a mulher Jezabel), diria ten sou gynaika Iedzabel (a tua mulher Jezabel). O pronome sou, nesse caso, fora usado para referir-se ao sujeito do versículo 12, o angelo tes ekklesias, isto é, o “anjo da congregação” de Pérgamo, como também ao "anjo da igreja em Tiatira", nos versículos 14, 15 e 16.
Provavelmente, a inserção do pronome nesses manuscritos deriva-se de um erro de ditografia ou então de uma percepção equivocada do escriba ao inserir propositalmente o pronome, em função de o mesmo aparecer repetidamente nos versículo 19 e 20.
Se estivermos corretos nessa assertiva, os copistas dos manuscritos citados entenderam que houve, por parte dos escribas anteriores, um erro de haplografia. Este erro, muito bem documentado pela exegese noutras porções bíblicas, ocorre quando se escreve uma palavra, sílaba ou letra apenas uma vez, quando, na verdade, deveria ser escrita mais de uma.
Isto posto, é provável que os escribas tentaram corrigir a cópia manuscrita disponível, entretanto, era necessário, talvez, uma outra cópia que atestasse o pronome sou, para que não se apoiasse apenas em sua interpretação ou percepção.
Todavia, caso esta posição esteja correta, embora as evidências manuscritas, textuais e a própria tradição atestem o contrário, significa que a Jezabel do referido texto é a esposa do pastor da igreja de Pérgamo.
Assim, essa teoria admite que o pastor da comunidade local aceitava os erros, heresias e impudicícias dessa mulher pelo fato de ela ser sua esposa, o que é discutível. Isto porque são feitos importantes elogios às virtudes teologais da igreja de Tiatira. A obra, a fé, o amor, a paciência e o serviço dessa comunidade cristã são mais excelentes do que o eram no passado (v.19).
Observe, a igreja de Éfeso é criticada por “deixar o primeiro amor” (v.4), mas os exercícios teologais da igreja de Tiatira só aumentaram. Enquanto muitos, diz Matthew Henry, “tinham deixado o seu primeiro amor, e perdido o seu primeiro zelo, estes estavam se tornando mais sábios e melhores” (2008, p.968). A mesma comparação pode ser feita a respeito da igreja judaico-cristã de Hebreus que, em vez de crescer, estagnou-se (Hb 5.12,13). Dificilmente, caso a Jezabel do referido texto fosse esposa do “anjo da igreja”, teríamos um crescimento espiritual tão constante e elogiável.
Todavia, aqueles que identificam Jezabel como sendo a esposa do líder local baseiam-se não apenas no pronome, mas também na possibilidade de o nominativo acusativogynaika ser traduzido como esposa em vez de mulher, pois o vocábulo aparece em várias perícopes do Novo Testamento com o sentido de “mulher casada”, “esposa”. Porém, essa é uma tradução possível, mas não necessária.
Assim, traduzem o texto ten sou gynaika Iedzabel como “a tua esposa Jezabel”. Segundo essa escola, ten sou gynaika Iedzabel era o texto original que foi corrompido e amainado por certos escribas inconformados com o tom ácido da perícope. Contudo, muitos textos do Antigo e Novo Testamentos são tão ácidos quanto esse, e, nem por isso, pesa sobre eles alguma acusação de corrupção textual.
Particularmente não concordo com essa tradução e com a interpretação da perícope atestada por essa escola. Devemos aceitar o texto em sua forma corrente e verbal e, segundo, o cânon da exegese, a leitura mais breve ou o texto mais curto deve ser preferido ao mais longo. É possível que o escriba acrescente alguma glosa, mas excluir alguma palavra do texto, ainda que possível, é mais difícil. Logo, não se trata de nenhum erro intencional do escriba, muito pelo contrário. A inserção do pronome (sou) e a tradução de gynaika Iedzabel, como "tua esposa Jezabel", extrapola toda naturalidade do texto.
Uma mulher profetisa da comunidade de Tiatira. Outra hipótese difundida é que se trata de uma profetisa da comunidade de Tiatira. Trata-se de uma mulher cristã carismática, de nome Jezabel. Segundo essa corrente, essa falsa profetisa induzia alguns crentes da comunidade de Tiatira à prostituição, à participação nas festividades pagãs, e à idolatria.
Deve-se, portanto, de acordo com essa hipótese, entender literalmente as palavras dos versículos 21 e 22. Essa mulher não apenas induzia seus seguidores a participarem das licenciosidades das festas pagãs, como ela própria, seduzia-os para o seu próprio leito (v.22).
Permita-me, o leitor, a uma rápida digressão para explicar uma ideia muito interessante nesse trecho. Uma característica muito especial do versículo 22 é a expressão “a porei numa cama” – uma sinédoque para referir-se à enfermidade, doença [a porei enferma numa cama]. Todavia tal expressão é uma finíssima figura de linguagem usada pelo rapsodo, que traz uma imagem conceitual digna de um grande estilista da língua grega.
O termo “leito”, “cama”, é um eufemismo para “relações sexuais” em diversas passagens bíblicas, cito, à guisa de exemplo, apenas Hebreus 13.4. Veja a correspondência entre “cama” e “prostituição” no versículo 22 com “matrimônio” e “leito sem mácula” em Hebreus 13.4. A prostituição macula, mancha, enfermiça a relação sexual fora do casamento. Isto posto, a frase “Eis que a porei numa cama, e sobre os que adulteram com ela virá grande tribulação” (v.22) é um jogo de conceitos semióticos que relacionam a impudicícia da prostituição ao leito-enfermiço, assim como em Hebreus ao leito-santo. O leito, o lugar do coito lascivo, no qual os adúlteros se consomem, tornar-se-á, na linguagem do literato, o lugar da condenação (leito-coito/leito-enfermiço). A mulher Jezabel seria condenada a ficar enfermiça no mesmo local de suas prostituições; enquanto a condenação de seus amantes seria a “grande tribulação”.
Bem, digressões à parte, admitir que se trata de uma mulher literal, cujo nome era Jezabel, é uma opinião melhor do que a anterior. Agora, aceitar que a mulher do pastor deitava-se com diversos homens é uma posição extremamente radical, uma vez que ele, o anjo da igreja, “tolerava” os pecados de Jezabel. Até mesmo, na hipótese presente, é difícil entender como o pastor tolerava uma prostituta, falando em termos culturais heleno-latinos, como profetisa e dava a ela uma posição privilegiada na comunidade cristã. Parece que essa é uma das mais contundentes fraquezas dessa corrente.
Trata-se de Jezabel do Antigo Testamento rediviva. Não precisamos nem comentar esse falso conceito.
Trata-se de referência simbólica aos falsos ensinos pagãos que adentravam na igreja. Essa corrente entende e aceita que a Jezabel do referido versículo é uma figura ou símbolo da religiosidade pagã e dos falsos ensinos das religiões de mistério que invadiram a igreja através dos falsos mestres. Lembremos que Israel, a Igreja, e a falsa igreja de Apocalipse são representadas nas Escrituras pela figura da mulher. Em nossa obra, Igreja: Identidade e Símbolo (2010 - CPAD), apresento o símbolo joanino referente à mulher samaritana (Jo 4) e à senhora eleita (2Jo 1) como respectivas metáforas de religiosidade pagã e cristã.
Portanto, há nas Sagradas Letras elementos simbólicos suficientes para se atestar tal relação, ainda mais nos escritos joanimos. Assim, o nome Jezabel seria um pseudônimo para referir-se às práticas e misticismos pagãos das religiões de mistérios que, a semelhança do paganismo jezabelita introduzido no culto a Javé no Antigo Testamento, estavam adentrando na comunidade cristã de Tiatira. Assim, teríamos na igreja de Pérgamo, os balaamitas e nicolaítas e, na igreja de Tiatira, os jezabelitas.
Publicado originalmente em http://www.cpadnews.com.br/blog/esdrasbentho/
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