O JESUS DO TALMUD
A parte mais conhecida do Talmud, o Pikê Avot, em um manuscrito em estilo bizantino do século XVI
Os dois primeiros séculos da Era Cristã foram marcados por um silêncio por parte da literatura judaica sobre a pessoa de Jesus de Nazaré. Se quisermos saber a opinião do Judaísmo sobre Jesus neste período será necessário recorrer a textos cristãos, como por exemplo, os Evangelhos Canônicos que refletem a opinião dos judeus no final do século I, e a obra de Justino Mártir intitulada Diálogo com Trifão, produzida entre os anos 155 e 161 d. C. e que narra um suposto diálogo entre Justino e um judeu chamado Trifão, esta obra tinha por objetivo ensinar aos cristãos do século II a responderem aos seus críticos judeus.
O século III é o período que marca o início da literatura rabínica inicial, com a produção do Talmud[1], sendo este uma produção de diversas escolas judaicas, tanto da Babilônia quanto da Palestina, com concepções judaicas e origens cronológicas distintas. O Talmud possui algumas esparsas citações sobre Jesus, pois o objetivo da obra é ser um compêndio de leis e costumes judaicos, mas devido a sua natureza heterogênea, o perfil apresentado não é só um tipo grosseiro de colcha de retalho, mas também virtualmente uma espécie de caricatura. [2]
Na questão cronológica, os rabinos situavam o ministério de Jesus durante o governo de Pôncio Pilatos na Judéia (26-36 d.C.), mas faziam conexões com figuras que viveram separadas por dois séculos de distância, também confundiam sua mãe, Maria, com Maria Madalena, e lhe atribuíam somente cinco discípulos, seguindo assim a tradição de que os mestres só possuíam esta quantidade de discípulos, sendo que também é aceitável que esta atribuição fosse uma resposta a argumentação cristã de que o cristianismo (representado pelos doze discípulos) havia substituído o judaísmo (representado pelas doze tribos).
Os milagres de Jesus eram refutados como sendo o resultado de feitiçaria aprendida enquanto morou no Egito. Sendo que este possuía sentimentos anti-judaicos e comprometeu o monoteísmo judeu ao se declarar divino, atentos ao fato de que muitos judeus haviam se tornado cristãos, os rabinos acusavam Jesus de tentar desviar a Israel, ou seja o levar à apostasia e à idolatria.
Para os rabinos, as autoridades judaicas acertaram ao condenar Jesus à morte por blasfêmia, sendo que estas e não as autoridades romanas são as culpadas por sua execução (este argumento foi amplamente contestado pelos judeus na Idade Moderna). Ao contrário dos Evangelhos Canônicos o Talmud afirma que o julgamento de Jesus, não foi apressado e nem injusto: “Entretanto foi ensinado que, na vigília da festa da Páscoa, Jesus foi suspenso. Porém, quarenta dias antes, o arauto havia proclamado que ele seria apedrejado por praticar a magia e por ter seduzido Israel em apostasia. Poderia, quem quisesse, vir e falar algo em sua defesa, mas como nada foi feito em sua defesa, foi suspenso na véspera da Páscoa. Ula objetou: ‘ Tu acreditas que algo poderia ser dito na defesa dele? Ele não era um sedutor, como fala a Escritura: ‘não o perdoarás, nem o defenderás’?’ Contudo, as coisas foram diferentes com Jesus por que estava em relação com o governo.”[3]
Então, os rabinos, influenciados pela opinião judaica dos dois séculos anteriores, nada transmitiram de confiável acerca do Jesus histórico, a falta de um registro da opinião genuinamente judaica, anterior ao Talmud, fez com que a tradição descrevesse uma figura distante do real.
Notas:
[1] O Talmud é uma coleção de doutrinas e costumes judaicos elaborada por rabinos, que aproveitaram tradições antigas do judaísmo, que eram transmitidas verbalmente pelos judeus, de geração em geração. É constituído pelo somatório da Mishná ou instrução oral, que é composta por 63 tratados organizados em seis ordens: leis agrícolas (zeraim), festividades (moed), direito familiar (nashim), direito penal e cível (neziqin), utensílios sagrados (kodashin) e purezas (toharot), com o Guemará que vem a ser a interpretação dos textos da Mishná. O Talmud é considerado uma enciclopédia de erudição e sabedoria.
[2] COOK, Michael J. A evolução das concepções judaicas a respeito de Jesus. In :BRUTEAU, Beatrice (org.). Jesus segundo o judaísmo, Rabinos e estudiosos dialogam em nova perspectiva a respeito de um antigo irmão. Tradução: Adail Sobral, 1. ed. São Paulo: Paulus, 2003, p 30.
[3] Talmud: Sanhedrim 43a
Referências Bibliográficas:
COOK, Michael J. A evolução das concepções judaicas a respeito de Jesus. In :BRUTEAU, Beatrice (org.). Jesus segundo o judaísmo, Rabinos e estudiosos dialogam em nova perspectiva a respeito de um antigo irmão. Tradução: Adail Sobral, 1. ed. São Paulo: Paulus, 2003.
Revista História Viva, Grandes Religiões vol. 2 – Judaísmo. São Paulo: Duetto
Revista História Viva, Grandes Temas, Um homem chamado Jesus, Até que ponto os evangelhos nos permitem conhecer a trajetória real desse palestino que inaugurou a era cristã, edição temática nº. 19. São Paulo: Duetto
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