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Magazine na Lanterna

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O pecado da intolerância...

Lições da História da Igreja

O pecado da intolerância

A intolerância não significa simplesmente discordar daqueles que pensam ou agem de maneira diferente de nós – o que é perfeitamente aceitável -, mas fazê-lo com um espírito de rancor, agressividade e desrespeito pela dignidade humana. Com freqüência a intolerância tem ligação com o poder. O intolerante utiliza alguma situação de força para ferir e esmagar aquele que se encontra em desvantagem ou fragilidade. Na área religiosa, esse comportamento consiste em suprimir ou limitar a liberdade de consciência, expressão e associação no âmbito da fé. Ao longo da história, a igreja tem sido palco de muitas manifestações dessa natureza, o que exige uma reflexão cuidadosa por parte dos cristãos.

Nos primeiros séculos, o período das perseguições promovidas pelo Estado romano, a atitude predominante entre os cristãos foi pacifista e conciliadora. No entanto, a partir do início do 4º século, com a união entre a Igreja e o Estado, tomou vulto a intolerância contra indivíduos e grupos considerados heréticos. A princípio, as penas impostas consistiam em banimento, prisão e confisco de bens. Posteriormente, começou a se utilizar a espada contra os dissidentes. As primeiras pessoas a serem executadas por heresia na história do cristianismo foram o bispo espanhol Prisciliano e seis simpatizantes, decapitados por ordem do imperador Teodósio I no ano 385. Poucas décadas mais tarde, o notável bispo e teólogo Agostinho, que inicialmente defendeu a conversão dos cismáticos por meio de argumentos verbais, apoiou o uso da coerção estatal contra o movimento donatista, no norte da África. Um dos textos bíblicos a que recorreu foi Lucas 14.23, onde ocorre a expressão “obriga a todos a entrar”.

Durante a Idade Média, na luta contra grupos heterodoxos como os cátaros e os valdenses, a igreja criou o temido tribunal da Inquisição, estabelecido formalmente pelo papa Gregório IX a partir de 1231. Esse método de investigação, geralmente confiado aos dominicanos e aos franciscanos, incluía denúncias anônimas, uso de tortura para obter confissões, presunção de culpa do acusado e entrega ao poder secular para a queima na fogueira ou punições mais brandas. Um caso famoso foi a execução do pré-reformador João Hus, em 1415. Em 1478 foi criada a Inquisição Espanhola, controlada pelo Estado, que sobreviveu oficialmente até o início do século 19. Além de heresia, outros delitos sujeitos a punição eram a feitiçaria e a conversão insincera, no caso dos judeus.

Na época da Reforma Protestante, a Igreja de Roma foi intolerante com os protestantes, utilizando contra eles não só a Inquisição, mas guerras religiosas e massacres, como o da noite de São Bartolomeu (1572), na França. Lamentavelmente, os protestantes muitas vezes também foram agressivos em relação a católicos e a outros protestantes, como os sofridos anabatistas. Um caso frequentemente citado foi a execução na fogueira do médico espanhol Miguel Serveto (1553), em Genebra, sob a acusação de negar a doutrina da Trindade. Fatos como esses geraram forte antipatia contra o cristianismo na Europa dos séculos 17 e 18, o que contribuiu para o surgimento do Iluminismo e seu ideário secularizante.

A intolerância deve ser distinguida da genuína disciplina cristã. O Novo Testamento deixa claro que a igreja tem o dever de preservar a fé e manter elevados padrões éticos entre os fiéis. Para isso, muitas vezes há necessidade de repreensão e correção. Todavia, a disciplina cristã, adequadamente entendida, tem um propósito pastoral e terapêutico, e não punitivo ou repressor. O coração humano é enganoso e suas motivações frequentemente não são puras. É muito fácil, sob pretexto de fazer a vontade de Deus, ultrapassar alguns limites e se deixar levar por um espírito vingativo e pela falta de amor.

No século 21, o cristianismo tem sofrido horríveis manifestações de intolerância em muitas partes do mundo. Isso não dá aos cristãos o direito de agir da mesma maneira em relação a outros grupos, dentro ou fora da igreja. Cristo ensinou que seus seguidores nunca deveriam se valer de métodos violentos, violadores da consciência e da dignidade humana, mesma na defesa de seus valores mais elevados. Como diz a Epístola de Tiago: “A ira do homem não produz a justiça de Deus” (1.20). Porém, não apenas isso. Os cristãos também devem se precaver contra formas sutis de agressividade, principalmente através de palavras e atitudes más, porque, além de erradas em si mesmas, podem servir de prelúdio para manifestações mais destrutivas.

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