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Magazine na Lanterna

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Milênio...

Por causa do seu forte conteúdo simbólico, a palavra “milênio” evoca associações nostálgicas ou filosóficas para uns, místicas e escatológicas para outros. A fascinação humana pelos múltiplos de dez nos atrai para este que é o maior de todos na contagem do tempo em uma escala histórica. Na breve história das civilizações, o período máximo que se pode considerar é o milênio. Levando-se em conta que as mais antigas civilizações orientais datam de aproximadamente três mil anos antes de Cristo, ainda estamos a meio caminho dos primeiros dez mil anos, que seria o próximo número altamente significativo depois do milênio. Por isso mesmo, nem temos uma palavra que signifique “dez milênios”.

No mundo ocidental, a tradição judaico-cristã tem exercido poderosa influência no que diz respeito ao significado do milênio. Os judeus tinham alta apreciação pelo significado simbólico dos números, tanto é que desenvolveram toda uma corrente mística em torno dessa questão, a cabala (uma antecessora da moderna numerologia). Com referência ao milênio, a passagem bíblica mais explícita e influente é Apocalipse 20.1-6, na qual, apesar dos verbos no passado, a referência é ao final dos tempos. O autor diz que viu descer do céu um anjo tendo nas mãos a chave do abismo e uma grande corrente; o anjo acorrentou o diabo e o aprisionou no abismo por mil anos. Em seguida, João viu aqueles que haviam morrido por causa da sua fidelidade a Cristo e afirma que eles reinaram com Cristo durante mil anos. Essa é a única passagem bíblica que faz referência direta a um reino milenar de Cristo.

Como era de se esperar, esse texto tem inflamado a imaginação dos cristãos desde os primeiros séculos da história da igreja, dando origem às expectativas milenaristas ou quiliásticas (do grego chiliás = mil). O tema tornou-se especialmente importante para os protestantes dos últimos dois séculos, dando origem a diversas posições sobre o assunto. Os pós-milenistas eram os otimistas que achavam que a sociedade humana iria aperfeiçoar-se progressivamente, sob a influência da fé cristã, até chegar-se ao “reino de Deus na terra”, quando então Cristo voltaria. Os pré-milenistas, mais comuns em nosso tempo, sustentam uma posição oposta, catastrófica: a humanidade irá corromper-se inexoravelmente até que Cristo venha e interrompa esse processo, criando uma nova realidade. Em geral, os defensores dessa posição acreditam que Cristo irá reinar literalmente por mil anos na terra. Finalmente existem os amilenistas, que não interpretam o milênio literalmente, mas o entendem como uma referência ao reino eterno de Deus. Por sua vez, os nuncmilenistas (do latim nunc = agora) entendem que o milênio já está ocorrendo, uma vez que Cristo é o Senhor de todas as coisas.

O único precedente conhecido de uma passagem de milênio foi o que ocorreu há mil anos, em plena Idade Média. Numa época em que o cristianismo exercia poderosa influência sobre a sociedade, as expectativas apocalípticas foram intensas e as pessoas procuravam sinais, especialmente nas convulsões sociais e nos fenômenos da natureza, de que o fim estava próximo. No mundo pós-cristão e secularizado em que vivemos, tais expectativas ainda estão presentes, porém bastante atenuadas.

Talvez a melhor maneira de encarar o assunto seja a partir de outro prisma apontado pela Bíblia Sagrada: a fragilidade e transitoriedade da vida humana em contraste com a eternidade e imutabilidade de Deus, que relativiza a categoria do tempo e nos abre a possibilidade de transcendê-la. Dirigindo-se a Deus, o salmista afirma: “Pois mil anos aos teus olhos são como o dia de ontem que se foi, e como a vigília da noite” (Sl 90.4). O autor do Eclesiastes lamenta a situação de alguém que vivesse “duas vezes mil anos”, mas não usufruísse o bem (Ec 6.6). Finalmente, Pedro, o apóstolo, exorta aqueles que acham demorada a intervenção divina a lembrar que “para com o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos como um dia” (2 Pe 3.8). Assim, os seres humanos são conclamados a encarar todas as coisas sub specie aeternitatis, ou seja, desde a perspectiva da eternidade e das realidades transcendentes, a única possibilidade de atribuir-se um significado mais pleno e mais profundo à vida, ao tempo e à história.

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