I. A LEI ERA TUTORA ATÉ A VINDA DO MESSIAS
“Digo, pois, durante o tempo em que o herdeiro é menor, em nada difere de escravo, posto que Ele é o Senhor de tudo. Mas está sob tutores e curadores até ao tempo predeterminado pelo Pai. Assim, também nós, quando éramos menores estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos do mundo. Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob lei. Para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos. E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração, o Espírito de Seu Filho, que clama: – Aba, Pai! De sorte que já não és escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus” (
Gálatas 4.1-7).
Essa declaração tem o peso de
Lucas 23.46 (4.6). Jesus usou essa declaração para expor toda a intimidade que desfrutava com Deus por ser Seu Filho. Paulo nos convida a entender essa intimidade que a filiação com Deus nos proporciona. Entendendo essa filiação e o teor dessa declaração, podemos retornar aos primeiros versículos.
O apóstolo apresenta escravos (4.1) e tutores e curadores (4.2) para dizer que durante a idade tenra de Jesus, Ele foi educado por outros e depois somente Deus educou a Cristo, fazendo Dele o grande galardoador da nossa esperança.
Na plenitude dos tempos (4.4) (quando o tempo de Deus estava maduro), Cristo veio ao mundo humano, nascido de mulher e sob a lei (4.4). A lei foi nos dada primeiramente para que pudéssemos entender o valor e a extensão da graça por intermédio da adoção (4.5). Resultado: Não somos escravos, mas Filhos de Deus e herdeiros de todas as bênçãos celestiais (4.7 = Ef 1.3).
Paulo nos convida a entender essa intimidade que a filiação com Deus nos proporciona. Entendendo essa filiação e o teor dessa declaração; Não são os filhos da carne que são filhos de Deus (Rm 9.8), mas os da promessa, os eleitos, é que são contados como descendência: “Mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Por quê? O que Israel buscava não o alcançou; mas os eleitos o alcançaram, e os outros foram endurecidos” (Rm 11.6-7).
Paulo relembra a seus leitores que um dia, o
cristão estava debaixo da lei, mas agora debaixo da graça. Pela redenção, os homens se tornam filhos de Deus, adotados pela família d’Ele e herdeiros das riquezas de Deus na terra e no céu (Rm 8.16-17).
Cristo nasceu se submeteu a lei judaica para resgatar-nos do seu poder. E hoje não vivemos mais sob a lei, mas na lei do Espírito de vida em Cristo Jesus.
Deus nos remiu e depois nos adotou como filhos. Isso significa que a remissão de nossos pecados somos transformados de escravos a condição de filhos. Como escravos éramos apenas criaturas de Deus. O apóstolo ensina que todo o crente em Jesus tem o Espírito Santo (Gl 3.2-5). Esse Espírito desperta em nós a consciência dessa filiação; isso nos leva à um relacionamento mais íntimo com Deus clamando por “Aba Pai” (v.6). “Aba” é uma palavra aramaica que corresponde em nossa cultura à “papai”; a mesma palavra que Jesus usou no Getsêmani (Mc 14.36).
Quando Paulo diz “éramos menores”, quer dizer, quando estávamos debaixo de tutores e curadores, ou seja, debaixo do “aio”, e éramos iguais ao escravo, mas vindo o Filho de Deus nos resgatou da maldição da lei, isto é, nos libertou e nos tirou desse jugo pesado. Paulo refere-se também ao homem sem Deus, sujeito aos rudimentos do mundo; Mas quando o cristão recebe Cristo como seu Salvador, passa a ser filho por adoção, e está liberto dos rudimentos do mundo. A missão do Senhor Jesus neste mundo foi libertar-nos da escravidão de Satanás, dos rudimentos do mundo, de sorte que não somos mais escravos, mas filhos por adoção e sendo filhos herdeiros de Deus Pai. Antes de Cristo, a observância da lei dependia em grande parte do esforço humano. Esta foi à falha que provocou a tristeza de Deus. Ao apresentar Cristo como o fim da lei, o Novo Testamento cumpre a profecia de Jeremias quando diz:
“Vêm dias, diz o Senhor, em que farei uma aliança nova com a casa Israel e com a casa de Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que tomei pela mão, para tirá-los da terra do Egito, porque eles invalidaram a minha aliança, apesar de eu os haver desposado, diz o Senhor. Mas esta é a aliança que farei com a casa de Israel depois daquele dias, diz o Senhor. Porei a minha lei no seu interior, e escreverei no seu coração. Eu serei seu Deus, e eles serão o meu povo. Não ensinará alguém mais a seu próximo, nem alguém a seu irmão, dizendo: Conhecei ao Senhor, porque todos me conhecerão, desde o menor deles até o maior, diz o Senhor. Pois lhes perdoarei a sua maldade, e nunca mais lembrarei dos seus pecados” (Jr 31.31-34).
Comentado esta profecia, o autor da Epístola de Hebreus registra: “Quando ele diz: Nova, torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer” (Hb 8.13). Por isso Jesus afirma: “Porque todos os profetas e a lei profetizaram até João” (Mt 11.13). O que Jesus está dizendo é que a lei e os profetas acabaram em João Batista, pois João foi o último profeta do velho concerto.
A lei surgiu somente “por causa da transgressão”, longe de ser portadora do Espírito e vida. Ela é uma babá do pecador, devendo vigiá-lo e obrigá-lo a obedecer (3.22, 24; 4.1-3), para que seja possível uma convivência relativamente regulamentada entre os pecadores (Rm 13.3).
A lei oferece um remédio paliativo contra o pecado, porque Deus prevê culto e expiação para os delitos. Mas Paulo não quer nem saber da lei como meio de salvação. Ele ignora, embora a conheça e saiba que seus adversários – com a alusão ao calendário litúrgico – destacam precisamente essa vertente ao calendário da lei. Ele reage em tom polêmico: a lei foi desde o início dada por Deus como uma babá e nada mais.
II. A LEI ERA UM RUDIMENTO FRACO
“Outrora, porém, não conhecendo a Deus, servíeis a deuses que, por natureza, não o são; mas agora que conheceis a Deus ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como estais voltando, outra vez, aos rudimentos fracos e pobres, aos quais, de novo, quereis ainda escravizar-vos? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco” (Gl 4.8-11).
Muitos desses gálatas se converteram dos ídolos e do paganismo ao cristianismo. Isso significa que eles foram libertos da escravidão pagã, dos rudimentos desse mundo. Com a intromissão dos judaizantes, eles se submeteram aos rituais judaicos. Saíram da escravidão pagã e agora estavam na escravidão da lei, observando os rituais da lei, crendo assim seriam melhor aceitos por Deus.
O apóstolo Paulo mostra que eles desceram de nível espiritual, deixando a condição de filhos e retornado a condição de escravo. O que pensavam ser um progresso espiritual, era na verdade uma recaída.
Paulo tem a compreensão que o Judaísmo, ainda que tenha vindo de Abraão, passando por Moisés e os Profetas, agora já não tem mais valor. Paulo descreve esse período como “rudimentos fracos e pobres”.
Por isso o apóstolo menciona o valor transitório dos ritos judaicos e diz que se eles agora conhecem a Deus, por que estão voltando outra vez aos rudimentos fracos e pobres da lei, tais como: “Guardais dias, e meses, e tempos, e anos” (Gl 4.10).
Os crentes da Galácia foram conduzidos ao ritualismo dos judaizantes. “Dias” se refere ao sábado bem como aos dias de festa. “Meses” e tempos dizem respeito a observâncias mais longas, como as celebrações entre a Páscoa e o dia de Pentecostes. São uma referência à celebrações como as mencionadas com sarcasmo por Isaías (Is 1.14). “Tempos” indicam as celebrações festivas, e “anos”, provavelmente indicam o Ano do Jubileu, o qüinquagésimo ano no qual os escravos deveriam ser libertos e as terras devolvidas aos seus primeiros proprietários (Lv 23 a 25). Os judeus comemoravam todas essas festas para agradar a Deus. Paulo colocou essa observância ritual na mesma categoria dos festivais pagãos, nos quais a observância de acontecimentos foi distorcida em ritual legalista.
Guardar dias, meses, tempos e anos (4.10) revela a facilidade com que os judeus guardavam a lei e as tradições. Neste cenário saudosista, Paulo questiona se o seu trabalho evangelístico não foi em vão (4.11). O apóstolo, sabiamente percebeu que o judaísmo foi estabelecido para que a compreensão de Cristo fosse mais profunda.
A preocupação de Paulo determinava que o zelo pode ser mal orientado. O zelo que tinham pela lei os estava deixando cegos para a liberdade e a verdade encontradas em Cristo. Mas, considerando o falso ensino que havia no meio deles, o apóstolo tem um bom motivo para estar perplexo com a condição espiritual dos gálatas (Gl 4.17, 18). E esta tem sido a preocupação das lideranças de hoje com suas ovelhas.
Jesus e Seus discípulos foram acusados pelos fariseus de estarem trabalhando no sábado por colherem espigas, entendendo eles que essa atitude era de desrespeito à lei (Êx 31.15). Como defesa, Jesus lembrou-lhes que Davi quando se viu em necessidade e teve fome, comeu os pães da proposição da Casa de Deus, já que este alimento era para os sacerdotes e os que com ele estavam (Mc 2.25,26). Jesus não declarou abertamente a inocência de Davi e de Seus discípulos, mas ao contrário, lembrou aos que O acusavam o significado do sábado para o homem e que Ele, Jesus, estava acima disso. As necessidades humanas, às vezes, podem anular a observância cerimonial do sábado.
Esta é a razão do apóstolo Paulo afirmar que o pecado e a lei mantém as pessoas em escravidão. O propósito da lei era tornar conhecido a nós o modo como poderíamos agradar a Deus e receber d’Ele a vida (Rm 7.7-12). Agora, diz o apóstolo, “não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça” (Rm 6.15). E o próprio Jesus acrescentou: “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; de sorte que o Filho do Homem é senhor também do sábado” (Mc 2.27, 28).
Os judaizantes exigem o cumprimento de todos os mandamentos da lei. E isso opõe ao evangelho. Paulo exorta os cristãos, portanto, ao não cumprimento da lei judaica, vendo unicamente a chance de eles se salvarem se crerem independentemente da lei. A observação da lei é inclusive prejudicial para a salvação, porque é algo similar a idolatria.
II. PAULO FICA PERPLEXO
“Sede qual eu sou; pois também eu sou como vós. Irmãos, assim vos suplico. Em nada me ofendestes. E vós sabeis que vos preguei o evangelho a primeira vez por causa de uma enfermidade física. E, posto que a minha enfermidade na carne vos foi uma tentação, contudo, não me revelastes desprezo nem desgosto; antes, me recebestes como anjo de Deus, como o próprio Cristo Jesus. Que é feito, pois, da vossa exultação? Pois vos dou testemunho de que, se possível fora, teríeis arrancado os próprios olhos para mos dar. Tornei-me, porventura, vosso inimigo, por vos dizer a verdade?¶ Os que vos obsequiam não o fazem sinceramente, mas querem afastar-vos de mim, para que o vosso zelo seja em favor deles. É bom ser sempre zeloso pelo bem e não apenas quando estou presente convosco” (4.12-19).
Paulo teve uma enfermidade em sua 2ª Viagem Missionária e passou pela Galácia (4.13; At 16.6). Ele está reconhecendo a maneira carinhosa como foi recepcionado, o cuidado com a sua vida e a amizade que nasceu daquele cuidado (4.14-15). A animosidade presente faz Paulo se sentir um inimigo (4.16) tal qual Cristo disse aos seus discípulos sobre o resultado do evangelho = inimizade (Mt 10.34). Ele alerta os gálatas a que tomem cuidado com “amigos” que querem afastá-los do Evangelho, os que querem trazer o judaísmo para dentro da igreja (4.17).
Os fariseus eram aproveitadores, que procuravam agradar os irmãos da Galácia, na tentativa de persuadi-los a adotar a religião judaica. Eles não estavam preocupados com o bem estar espiritual desses irmãos, antes queriam ser adulados pelos gálatas: “para que vós tenhais zelo por eles”.
Paulo procura mostrar aos Gálatas o verdadeiro sentido do zelo (no gr. zhlo zelos - defender algo), e a responsabilidade que ele tem com Seu Senhor. Pois sua missão como ministro, é de preparar e apresentar a igreja como uma virgem pura a seu marido.
Podemos discernir a procedência ou finalidade de qualquer ensino e prática pesando-os nas Escrituras (2ª Co 13.8). Uma das características das heresias é a apropriação de passagens bíblicas interpretadas erradamente, muitas vezes baseadas em supostas revelações. Nenhuma revelação pode anular a Bíblia Sagrada.
Os falsos mestres podem declarar que a revelação bíblica é verdadeira e, ao mesmo tempo, afirmar que possuem revelação extra-bíblica ou conhecimento de igual autoridade às Escrituras, e válidos para a igreja inteira. Esses falsos ensinos, geralmente envolvem a fé cristã num sincretismo de outras religiões e filosofias. Resulta daí os seguintes erros:
A. A suposta nova “revelação” é colocada no mesmo nível de autoridade que a revelação bíblica apostólica original.
B. Os falsos mestres alegam ter uma compreensão mais profunda ou exclusiva da supostas “revelações ocultas” nas Escrituras. Muitas vezes dizem ter uma grande responsabilidade com Deus e seu trabalho é especial e Deus exige santidade para esse trabalho. E assim colocam a igreja em um jugo de servidão.
O judaísmo nos tempos apostólico foram os que mais atacaram a fé da igreja cristã nos primeiros dois séculos. Mesmo com a riqueza escrita da Palavra de Deus eles preferem seguir suas opiniões em vez da Verdade. Sejamos sóbrios e vigiemos!
IV. COMO AMA QUE CRIA SEUS FILHOS
“Meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós; pudera eu estar presente, agora, convosco e falar-vos em outro tom de voz; porque me vejo perplexo a vosso respeito” (Gl 4.19-20).
Paulo se angustia por não estar presente para exortar seus irmãos, mas tem que fazer isso por carta (4.20) e isso o angustia a ponto de sentir dores de parto, no aguardo que Cristo Se forme e nasça, verdadeiramente, na vida deles (4.19).
Muitos cristãos recentes da Galácia retornaram aos falsos ensinamentos e perderam a alegria da salvação. Profundamente angustiado, Paulo chamou os crentes da Galácia de “meus filhos”; comparou o relacionamento dele com os gálatas e uma mãe com dores de parto, que aguarda ansiosamente pelo nascimento do filho – uma experiência de profunda dor, porém íntima. “Pais espirituais” amam as pessoas a quem eles conduziram a Cristo assim como uma mãe ama seu filho.