O ensino e a aprendizagem, como processos sociais, são certamente tão antigos quanto as primeiras sociedades humanas. Na realidade, é possível identificarmos, inclusive, aspectos desses processos em outras espécies animais, além do Homo sapiens. No entanto, desde as épocas mais remotas, a ação pedagógica de “ensinar” esteve vinculada às tradições de cada povo ou comunidade, à religião e aos rituais, às necessidades práticas, de uma forma mais ou menos espontânea. Desse modo, a “didática” como uma atividade planejada e intencional é algo relativamente recente na História. Os teóricos da área costumam concordar em situar o “surgimento” da Didática como disciplina no século XVII. Vejamos o que diz, por exemplo, Libâneo: Na chamada Antigüidade Clássica (gregos e romanos) e no período medieval também se
desenvolvem formas de ação pedagógica, em escolas, mosteiros, igrejas, universidades. Entretanto, até meados do século XVII não podemos falar de Didática como teoria do ensino, que sistematize o pensamento didático e o estudo científico das formas de ensinar. (LIBâNEO, op.cit., p. 57) Qual o “marco” dessa época para a Didática? O século XVII representa um período de profundas transformações políticas, sociais, científicas, filosóficas, religiosas e econômicas, no mundo ocidental. O mercantilismo e a expansão marítima européia, a formação dos Estados Nacionais, a reforma protestante, a proposta heliocêntrica são diferentes aspectos dessas transformações. É nessa época que João Amós Comenius (1592-1670) escreveu a primeira obra clássica sobre Didática: a Didática Magna, publicada em 1657. Comenius era um “homem do século XVII”, sintonizado parcialmente com os ideais da Modernidade que estavam por surgir. Pastor protestante, natural da Boêmia (atual República Tcheca), considerava a educação como um caminho para a salvação, uma formação para a vida eterna. “Ser homem” era, para ele, conhecer as coisas do mundo, e não apenas uma pequena área do saber. Disso decorre a importância do processo educativo tanto para a criação da identidade individual quanto para a socialização do indivíduo. A educação teria como uma de suas finalidades a transformação do indivíduo e da sociedade. Em sua Didática Magna, que tinha a pretensão de apresentar a “arte de ensinar tudo a todos”, ele propõe uma série de princípios e regras que deveriam nortear a educação. Entre outras coisas, Comenius defende uma escola para todos, ou seja, a universalização do ensino (princípio da igualdade). Além disso, considerava a escola como espaço (locus) privilegiado da educação, e a figura do professor como a do profissional específico e qualificado para a ação de educar. Preocupou-se em estabelecer princípios para o ensino das ciências e um planejamento escolar com vários “graus” de ensino vinculados aos graus de desenvolvimento do indivíduo. Para Comenius, o conhecimento vem dos sentidos, é trabalhado pela razão e iluminado pela fé. Em função disso, considera que o conhecimento verdadeiro provém de uma “observação correta” das coisas. Daí que o seu método de ensino – que ele pretendia “claro e único” – fosse baseado na observação da natureza e dos fenômenos, no olhar das próprias coisas e não na consulta aos livros. É por meio dos sentidos que se estabelece o contato entre a natureza e a mente. Esta, por sua vez, não é uma “tábula rasa”, mas “moldável”.
Vemos, assim, que a epistemologia subjacente à proposta comeniana apresenta uma forte ênfase empirista e sensorialista (nesse terreno, Comenius foi influenciado pelo pensamento de Francis Bacon e pela idéia de “indução”).
Ainda que várias de suas idéias tenham sido superadas, principalmente no que se refere à compreensão psicológica do processo de ensino e aprendizagem, Comenius foi realmente avançado para a época, podendo ser considerado o precursor da Didática como disciplina pedagógica. Num período em que o catolicismo dominava e a educação católica voltava-se à formação das classes dirigentes, com privilégio do latim, Comenius propôs a educação para todos e o uso do vernáculo. Apesar da Didática Magna só ter sido traduzida para o português em 1954, a obra de Comenius chegou a exercer certa influência no Brasil, ainda no início da República. Autores como Rui Barbosa e Fernando de Azevedo interessaram-se por suas idéias que, identificadas com o “método ativo e intuitivo”, foram em parte adotadas pela chamada Escola Nova e bastante utilizadas no ensino de Ciências. Na aula seguinte, teremos a oportunidade de analisar algumas das principais correntes do pensamento didático ao longo da História. Veremos que as teorias do ensino oscilaram entre privilegiar a atividade do professor, a atividade do aluno e o método de ensino.
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